terça-feira

O monopólio dos partidos - por Francisco Sarsfield Cabral -

O monopólio dos partidos [in Público]
28.05.2007, Francisco Sarsfield Cabral
Diz-se que a política não se esgota nos partidos. Mas parece fazer-se tudo para que se esgote mesmo.
Portugal viveu meio século sob um regime que proibia os partidos políticos. Dividiam a nação, dizia-se. E, de facto, era mais cómodo para os dirigentes do chamado Estado Novo governarem sem oposição legal.
Com o 25 de Abril, a democracia pluralista não vingou imediatamente. Foi preciso vencer a tentação de uma nova União Nacional, desta vez de esquerda: o MFA, apoiado nos comunistas e na extrema-esquerda.
Estabelecida a democracia pluralista com a Constituição de 1976, procurou dar-se força aos partidos, quase todos de formação recente. Fazia sentido, para assegurar alguma estabilidade ao novo regime.
Sobretudo a partir da entrada de Portugal na CEE, em 1986, a democracia deixou de parecer ameaçada por golpes militares ou outros. No entanto, os partidos mantiveram quase todo o monopólio da vida política portuguesa.
Só há dez anos foram constitucionalmente autorizadas candidaturas autárquicas não ligadas a partidos. Coisa ainda impossível em eleições para o Parlamento.
A tão anunciada e sempre adiada reforma da lei eleitoral, com círculos uninominais (a par de um círculo nacional onde vigorasse a proporcionalidade), permitiria um reforço da legitimidade pessoal do deputado e uma menor dependência das direcções partidárias. Mesmo sem independentes.
Mas tal não convém a quem manda nos partidos. Estes tornaram-se em agências de empregos - está aí o poder dos dirigentes. O próprio retorno da ideia da regionalização tem algo a ver com o objectivo de se criarem mais lugares para os inscritos nos partidos.
Em eleições legislativas, votamos, de facto, nos líderes dos partidos e apenas raramente nos nomes que constam das listas de candidatos. Os eleitos, aliás, são substituídos frequentemente, sem que a opinião pública disso se dê conta. Já se tem dito, com alguma razão, que seria mais barato ter na Assembleia da República apenas meia dúzia de deputados - um representante por partido. Depois, cada representante teria o número de votos correspondente aos eleitos pelo seu partido...
Entretanto, a generalidade dos políticos profissionalizou-se. Como já passaram 33 anos desde a revolução de Abril, hoje a maioria deles começou nas "jotas" e nada mais fez na vida do que política partidária. Daí desagradar-lhes a eventual entrada de independentes na sua área profissional. Até porque, não raro, esses independentes são mais qualificados.
Assim, a qualidade dos políticos baixou dramaticamente em Portugal nas últimas décadas. Basta comparar a composição dos primeiros parlamentos após 1974 com a actual.
Também para tal contou, com certeza, o facto de termos uma democracia estabilizada. Quando estavam em jogo valores essenciais, quando não era seguro que a liberdade iria prevalecer no país, muita gente de qualidade sentiu o apelo da política. Agora, noutro contexto, poucos se dispõem a dedicar-se à res publica.
Tal alheamento torna ainda mais preocupante a tendência monopolista dos partidos, contribuindo para o descrédito da classe política. Tanto mais que a luta partidária pela prevalência "dos nossos" afecta a vida portuguesa em todo o lado onde chega o poder político.
Dois exemplos actuais: a suspensão por uma socialista, directora regional de Educação, de um professor, ex-deputado independente do PSD, acusado de ter dito uma piada (em privado!) sobre a licenciatura do primeiro-ministro. Ou a tentativa (frustrada pelo Tribunal Constitucional) de uma outra socialista, governadora civil de Lisboa, de favorecer o PS e o PSD na marcação da data das eleições para a câmara, prejudicando os independentes.
Ninguém discute o papel imprescindível dos partidos. Mas seria sensato incentivar a competição com gente de fora, em vez de a restringirem aos políticos partidários. Até porque, como se vê nas listas para a Câmara de Lisboa, o partidos não conseguem renovar o seu pessoal. E como o PS e o PSD têm pouco que os distinga ideologicamente, a luta política faz-se cada vez mais em função de características pessoais.
Na política, como na economia, a concorrência estimula a qualidade. Diz-se que a política não se esgota nos partidos. Mas faz-se tudo para que se esgote mesmo. E, quando alguém reclama, logo surgem acusações de espírito antidemocrático e antiparlamentar, ou seja, de salazarismo encapotado. Vistas curtas.
Jornalista
PS: Aquilo que eu aprecio no Francisco Sarsfield Cabral é o seu ecletismo intelectual e epistemológico, e desta vez ele não pensa e escreve como um economista mas como um verdadeiro politólogo. Este artigo é, verdadeiramente, exemplar e explicita muita coisa oculta nas penumbras dos partidos e dos sistema político português.
Apenas uma nota: ainda bem que a lista encabeçada por António Costa a Lisboa parece ser formada por gente competente e não enfeudada às máquinas partidárias cujos vícios são por nós bem conhecidas. Parabéns, portanto, ao autor por esta excepcional reflexão.
A ler e a reler.
Por isso, bem haja Francisco, gostaria de o ter escrito... Mas levaria mais tempo e, provavelmente, sem o mesmo sucesso.