Multidão (pré-natalícia)...

A 1ª vez que tive a sensação de ver uma multidão foi quando o avião que me transportava aterrou em solo chinês e alí me deparei com o que é, de facto, uma multidão.

cit. de memória - sobre o Emb. Henriques Martins de Carvalho, homem inteligente e com carácter - a quem este modesto post é dedicado, já cerca de 11/12 anos após a sua partida. Mas deixou cá sementes...

Cito aqui um dos únicos professores de faculdade que me marcou (como homem e no plano intelectual) e me ensinou algo: articulação da inteligência, com o humanismo e a generosidade. Et pour cause da multidão que se encontram em todos os grandes espaços da urbe moderna, ocorreu-me deixar aqui uma singela homenagem a este grande Homem, Henriques Martins de Carvalho. Um Português.

Os comboios seguem cheios de passageirso; os cafés estão cheios de pessoas, ao longe e com os vidros embaciados - e quem vê de fora para dentro - jura que são formiguinhas combinando assaltos a pacotes de açucar; os passeios são multicolores neste Portugal do Minho a Timor - já com Salazar morto (apesar de subsistirem por aí uns restolhos do Restelo à espera do mesmo destino de Fidel castro ou do outro energúmeno chileno, Augusto Pinochet); os átrios dos restaurantes são verdadeiros caos irrespiráveis; as livrarias estão repletas de manápolas vagabundas que depois são levadas a comprar outros produtos culturais desta indústria canina; os grandes centros comerciais são a fusão de tudo quanto se disse, é como se fossem praias - já não povoadas por grãos de areia, mas por gente, muita gente - que aparece e desaparece num acto mágico. Como se nunca tivessem existido.

Ou seja, o que antes não costumava ser problema, começa hoje a sê-lo de forma dramática: encontrar um sítio para respirar - fora de nossas casas.

E em 1500 - como seria? O que é que Vasco da Gama e os outros fizeram há cerca de 500 anos atrás quando demandavam os velhos shoppings de Colombo, só que por mar, e sem ter a certeza do regresso, porque os únicos motores que existiam eram, consabidamente, a navegação à bolina. E nem sempre o vento era amigo da alma lusíada. Além de que nas ondas é impossível desenhar linhas de mapa seguros, apesar das bussúlas já serem um razoável indicador.

Buscariam a alma duma nação que carecia dela e a encontraram na ânsia e na nostalgia do ultramar. Talvez tenha sido a saudade - o grande dinamizador de Portugal. Uma saudade que depois foi morrer ou diluir-se na melancolia do atlântico. Ora é isso precisamente que tenho visto nessas caras de jovens, adultos, grisalhos e idosos por essas fnacs fora dos shoppings das nossas deprimentes vidas: uns a esbracejar de Wii/nintendo, no vazio, no éter, outros ouvindo música aos encontrões, aos berros, meios alienados nessa tal multidão que nos seca até à raiz da fala e do pensamento.

E agora tudo transborda, com gente sôfrega de tudo e de nada, com uma pressa para chegar a parte nenhuma, ditada, no fundo, por uma ausência de projecto de vida, por um desconhecimento do que é a felicidade, a amizade, a comunhão... Até dá vontade de dizer: f....! Ou carolaina, ou giorgio ou mesmo lopéz - com sutaque sul-americano.

Hoje esse aglomerado fez-me lembrar as lições do professor e amigo Henrique Martins de Carvalho - que um dia deu uma aula só para um aluno, mas deu-a como se fosse para uma multidão de aristocratas. Ainda hoje retenho aquela pose, porte, conhecimento, saber e sabedoria que debitava - sempre com extrema diplomacia. A contrastar com o mundo em que hoje vegetamos, a aguardar um fim que é sempre incerto, também aquele amigo - me evoca essa dualidade complexa do mundo - em que tudo é ao mesmo estranho e maravilhoso.

Mas o que será hoje diferente de antes? Hoje, creio, tudo e todos aparecem de sopetão, em bandos, em aglomerações, em ondas de choque e de encontrões para se instalarem no 1º balcão da sociedade e comer pipocas com a boca abertas. Alguns têm uma flatulência crónica da "futebolítica" como o "outro" do Norte às riscas - (embora não seja representativo do Norte bom, generoso, solidário, trabalhador, dinâmico, competente e genuíno) que batia na desgraçada da mulher que ora se vinga por ter sido marginalizada e com dois filhos para criar - num jogo shakespereano entre maus e ruíns - e onde nada nem ninguém se aproveita neste fado-macaco em que se revê um certo Portugal (da bola, onde só contam os resultados), também eles fraudulentos, porque resultantes da compra de árbitros, aliciamentos vários (com prostitutas à mistura) - já para não falar nos trolhas que hoje são deputados e usam malas Louis Vitton para transportar o dinheiro sujo que os alvarás da construção civil injectam nos aparelhos partidários (a troco de ocultas contrapartidas)...

Tudo isto se passou no psd de MMendes - (que ainda não teve a coragem nem a ética de suspender imediatamente o deputado a. preto da AR) - e depois passeia a sua minúcula estatura - com os acompanhantes do costume (eng Camona e um tal líparú, que é das coisas mais atrasadas que já vi em toda a minha vida, culturalmente falando, é claro) - fazendo promessas de que os corvos de Lisboa passarão a ser brancos... É este home que pretende ser PM de Portugal... Meu Deus, meus deuses...

Depois - essa multidão - desaparece e nunca mais a vemos, como aquelas pessoas de quem gostámos, de quem fomos amigas - mas de quem hoje só (já) nos é possível evocar por recurso a esse "armazém" da memória. A memória de aglomeração, de massa, da multidão. São esses os montrengos sociais que tenho visto por esses grandes espaços comerciais - catedrais do hiper-consumo onde algum dinheiro se encontra com alguma mercadoria a fim de transacionarem algo, nem que seja kilo-toneladas de alienação - a que tento escapar incólume...

Mas o que mais me frustra em toda esta avaliação da existência, neste barco comum, é algo que está aqui espraiado e que ainda não consegui fixar bem nesta narrativa da pseudo-existência. Se calhar também elas reflexas (já) d'alguma gotícula de alienação. Vemos toda a gente - bem ou mal - sentir-se bem, aparentemente feliz, todos num à-vontade perturbante, como se nada se passasse.

E, afinal, o que se está passando - debaixo das nossas cabeças - é a estranhesa por não ver ninguém angustiado - julgando até que o desígnio das pessoas é sentirem-se idênticos aos outros nessa nivelação por baixo terraplanada por essa tal multidão. Uma multidão que mata, mas angustia primeiro...

Outra metáfora da multidão dos nossos dias...