Cansaço do alargamento e má-fé da União - Francisco S. Cabral -
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista Em mais um Conselho Europeu irrelevante, há uma semana foi confirmada a suspensão parcial das negociações para a eventual adesão da Turquia à UE. E foi indicado que os futuros alargamentos da União, se os houver, obedecerão a critérios mais exigentes do que os usados até aqui.
Designadamente, acrescento eu, os critérios usados em relação à Roménia e à Bulgária, países que vão entrar no próximo dia 1 manifestamente mal preparados. E espera-se que não se impeça a entrada de países divididos ou partes de países, como é o caso de Chipre (que está na base das recentes complicações com a Turquia).
Parece, assim, haver um certo "cansaço do alargamento" na Europa comunitária, apesar do sucesso que se diz ter representado, até agora, esse processo. A verdade é que a integração europeia está em crise profunda. E que a UE não usou nem usa aqui de boa-fé.
Desde logo, às reformas que Bruxelas exigiu dos candidatos à adesão não correspondeu a União com a reforma dela própria. Sem solução, arrasta-se há anos a adaptação do sistema institucional para que a UE funcione com 25 ou, a partir do início de 2007, com 27 Estados membros.
Muita gente, sobretudo na Grã-Bretanha, apostou no alargamento para diluir a UE, em particular na sua dimensão política. Teríamos então uma mera zona europeia de comércio livre, o grande objectivo britânico dos anos 50. Mas a aposta que então vingou foi a do Tratado de Roma, que em Março comemora 50 anos.
Acontece que - como era inevitável - a crise da integração está também a afectar a liberalização económica na União. Veja-se o renascimento dos nacionalismos económicos, e não apenas em França.
Apesar de chefiado pelo anterior presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, o Governo italiano fez abortar a compra da Autostrade, no sector das auto-estradas, pela espanhola Abertis. E o Governo europeísta de Madrid tenta por todos os meios travar a compra da Endesa pela germânica E.ON.
Por sua vez, o Governo de Merkel acaba de publicar uma lei altamente proteccionista da Telecom alemã.
Entretanto, há três semanas, no Congresso do Partido Socialista Europeu, no Porto, Ségolène Royal foi vibrantemente aplaudida (também por Delors?...) quando reclamou contra a independência do Banco Central Europeu, que havia subido o juro. Ou seja, o mercado único europeu, com livre circulação de pessoas, serviços, bens e capitais está ameaçado até na sua expressão mais emblemática, o euro.
Neste quadro de desagregação em perspectiva, tentar ressuscitar o nado-morto que é o Tratado Constitucional, impropriamente chamado Constituição, revela quanto a UE está sem norte.
A julgar pelas recentes eleições holandesas e pelo que se vê em França, nestes dois países aquele Tratado voltaria a ser rejeitado se fosse de novo submetido a referendo.
Claro que é preciso alterar o processo de decisão na UE, para que ele não se torne (como já acontece) num processo de indecisão. E que isso implica maior integração política, na medida em que fará funcionar menos a regra da unanimidade, em favor de uma maior partilha de soberania. Mas nada disso envolve a patética pretensão de Giscard d'Estaing de criar uma Constituição semelhante à Constituição Americana de Filadélfia. Essa vaidosa loucura é um dos factores responsáveis pela actual crise.
Se a UE tivesse agora liderança política, todos os esforços se concentrariam em salvaguardar o essencial da integração económica, evitando recuar no mercado único. E em encontrar um arranjo institucional menos paralisante do que o actual.
A Comissão Barroso tem tentado trilhar esse caminho. Mas falta-lhe o apoio político das capitais, sobretudo das mais influentes. Por isso é provável que continuemos a assistir a essa outra manifestação de má-fé que é manter teoricamente a porta aberta à Turquia, sabendo-se que a adesão turca será inviabilizada em referendos (em França, por exemplo), caso as negociações cheguem milagrosamente a bom termo, daqui a muito tempo.
Os turcos já perceberam a situação e por isso a adesão à UE tem hoje na Turquia metade do apoio popular de que gozava há poucos anos. Excluir a Turquia da UE representa, com certeza, um enorme falhanço estratégico. Mas o desastre apenas será evitado se a integração europeia recuperar algum do seu antigo dinamismo. O que, francamente, não se avista no horizonte."
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Obs: Mais uma interessante reflexão do nosso amigo Francisco - a quem daqui envio um abraço amigo com Votos de um Natal lúcido e um Ano de 2007 - cheio de coisas boas. Afinal, o que temos dito aqui de "fujão" barroso encontra eco na generalidade da melhor imprensa económica e política. Numa palavra: durão é hoje o rosto da paralisia europeia.
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