sábado

A idolotria da actualidade na blogosfera e na mediacracia

O tempo é uma variável terrível em nossas vidas. Medimo-las pelas unidades de tempo, por horas, dias, semanas, meses, anos, décadas e..., funerais. Depois tudo regressa ao mesmo nessa espiral doentia do eterno retorno, de alfa e ómega, nesse jogo de espelhos de ascenção e declínio, de vida e morte. Tomando por base esta verdade comezinha - é a actualidade que nos formata, que nos imprime a sucessão de acontecimentos que devemos ou não seguir nesta escala longa do tempo. Um tempo que, para nós, homens, jamais é eternidade dada a nossa limtação biológica.
Mas é essa sucessão de impactos fragmentados em que se transformam os conteúdos dos media e da blogosfera - que com ela hoje concorre - ultrapassando-a de longe, em inúmeros casos. E não é só no grafismo, mas na espessura intelectual que empresta às análises. Decorre isto duma questão menor que brota da tentativa de racionalização deste nosso tempo e acaba por ter um impacto na forma como "arrumamos" as notícias do mundo actual. Ou seja, por que razão a actualidade, a instantaneidade se converteu na verdade informativa? E isto tanto é válido (como crítica) para a blogosfera como para a mediasfera - que procura acompanhar - com horas, por vezes dias de atraso, o tratamento e edição dos factos do mundo que fizeram notícia num determinado tempo.
Posto que é dado assente que aquela actualidade, esse presentismo por vezes absurdo, se transformou num ídolo que tudo sacrifica, até a verdade analítica e o rigor intelectual. Tudo é terraplanado por essa lógica da instantaneidade, diminuindo os skills da blogosfera como da mediasfera. E é esta trituração do tempo acelerado que abre as portas às desinformações e manipulações, não raro alimentadas por vendettas pessoais mesquinhas que têm uma estória (ou uma sucessão delas), um perfil de conflitualidade lantente ou explícito e que acabam por interessar só aquelas fontes que, na verdade, nenhum interesse têm para o chamado interesse público - também ele fluído e movediço. Logo, muito pouco objectivável.
Mas isto não explica tudo, deixando de fora por que razão muitos de nós, dentro e fora do ciber-espaço, cometem erros, deslizes, lapsos, excessos e o mais no tratamento das fontes e da informação. Creio que tal resulta da própria natureza dos meios tecnológicos ao nosso dispôr, e da forma como permitem tratar a velocidade da informação - difundindo-a à velocidade da luz. E é aqui que cabe inquirir o jornalista, o blogger, o político, o agente económico, social, cultural, enfim, todos os players que mexem com a informação, acabando por não dominar a sua instantaneidade.
Julgo que tais erros, omissões, excessos e lapsos sucedem e ainda se multiplicam, porque há um gap terrível entre a tecnologia hiper-rápida de que dispomos, que nos permite dinamizar a informação e expedi-la para os circuitos virtuais à velocidade da luz, e o tempo lento da construção da verdade, a verdade epistemológica, ontológica, que demora tempo a sedimentar e a estabilizar até ser considerada uma informação credível, e não um mero conjunto de nós numa rede feita de agências de comunicação que contribuem para valorizar esse paradigma negativo presente na tal instantaneidade do tempo presente. Fútil porque privado de reflexão e de racionalidade.
De tudo resulta um conjunto de ideias-força que aqui sistematizamos:
1. Podemos hoje ser mais rápidos, mas não necessáriamente mais reflexivos, cultos ou melhor informados neste caleidoscópio de informações e notícias, algumas derivadas de factóides;
2. O velho jornalismo - séc. XIX - por não estar sujeito à "ditadura" da pressa e da velocidade - que nos impede de pensar e de reflectir em consciência, acaba por ser, em inúmeros aspectos, mais completo e rigoroso do que o jornalismo que hoje se pratica, repleto de oportunismos, de bajulações fáceis para obter capital-prestígio, ou tornar-se íntimo deste ou daquela humorista mais ou menos famoso, desta ou daquela personalidade, mais ou menos influente, mais ou menos criativo e/ou bem sucedido;
3. De tudo resulta um 3º corolário - talvez o mais expressivo desta reflexão - o de saber se, de facto, é assim tão importante saber das coisas assim que elas ocorrem, ou antes compreendê-las sem pressas e com o devido grau de racionalidade e de rigor intelectual. O que não existe hoje em muitos casos, por isso se falha tanto.
Todas estas conclusões alertam-nos para os perigos da velocidade com que tratamos a informação, pois nem sempre o mais rápido é o mais rigoroso e o mais completo. Por essa razão, até podemos pensar que toda essa velocidade no débito da informação, e aqui a blogosfera mais exigente tem de ter cuidado, e por mim falo, porque ainda esta semana cometi um deslize de ter citado um blog sem qualidade intelectual ou que é manipulável para fins outros do que aqueles que devem servir (fazer serviço público, por ex., além do lazer e o mais..) e, com isso, ter potenciado os efeitos perversos que aqui criticamos nesse tal presentismo, nessa "ditadura" do "aqui e agora" que não passa duma idolatria da actualidade.
Terminamos estas notas pré-natalícias, recorrendo ao mestre que foi Oscar Wilde, que apesar de ter vivido num tempo em que a informática era ainda um conceito quase profético, é com ele que sublinhamos que hoje aqueles para quem o presente são as coisas presentes, nada conhecem do tempo em que vivem.
Se não tivermos cuidado aainda ficamos como aquelas vacas (loucas) rolantes cuja principal função é darem leite, e não andar por aí a causar acidentes ou contribuir para a elevada sinistralidade política...