domingo

A Mentira na Política: teoria e prática contemporâneas. De Gaulle, Miterrand, Kohl e durão

[...] O que faz com que as pessoas da minha espécie compreendam melhor a situação do que os pretensos peritos não é tanto o talento de prever acontecimentos específicos mas bem mais a capacidade de perceber em que espécie de mundo vivemos.
in George Orwell, The Collected Essays (CE), Journalism and Letters, of G.O.

O tema da mentira na Política começa a ganhar foros de cidade: ele é sério e real, tem-se multiplicado por aí, pelas sociedades europeias com impactos negativos na polis global, reflectindo-se negativamente no padrão de vida das pessoas e na performanece das economias, anda misturado com as eleições e o processo eleitoraleiro de conquista ou captura do Poder, interfere com a vontade e a credulidade das populações que depositam os seus votos na urna como quem faz depósitos no banco nas suas contas de reforma, mexe com a verdade e mentira dos recursos públicos de um país, com os impostos de todos nós, com a nossa vida colectiva, com a nossa identidade.

Na realidade, a questão da mentira na política é uma problemática com dignidade científica, é um tema com objecto e pode ser tratado cientificamente numa tese de doutoramento avaliada pelo MIT com toda a dignidade pública e originalidade académica. Para ela concorrem mais factos reais do que a ilusões ou a imaginação do investigador, e é hoje comum aceitar-se a ideia pela qual o político tende a pensar que as virtudes morais não constituem senão barreiras para o seu sucesso: daí o recurso à mentira pelos políticos - que assim enganam o povo com base na sua credulidade e até estupidez ou desatenção naturais..

Ou seja, não há sinceridade na política, pois quando existe o seu agente é logo escarnecido; se for firme na suas convicções é cunhado de oportunista e todos o abandonarão à 1ª oportunidade; se for verdadeiro e detestar a mentira, é imediatamente caluniado; se tiver respeito por si próprio e não for servil ou sabujo é logo aviltado e tratado de arrogante; e se um dia decidir perdoar quem o traíu é logo apelidado de fraco e mau carácter abrindo o caminho a que futuras traições ocorram, por serem elas o normal em política.

Temos pensado nisto em termos académicos e científicos. E para o ilustrar socorro-me de alguns exemplos. De Gaulle, Miterrand, Kohl e Durão Barroso (que é um player político que não tem equivalente estatura perante os outros, mas aparece na avaliação pelo que de negativo esta sistematização pode provar) - seguindo um pouco a ideia de que para se fazer política hoje a mentira é a seiva, o jogo duplo, a intriga e o ingrediente que falta à acção. Logo, quem quiser fazer política e imprimir a sua marca no tempo - só tem de abrir mão destes recursos e destes expedientes e aceitar sujar as mãos e mentir com subtileza e assim enganar o povo que em si confiou.

É óbvio que poderíamos aqui alinhar outros casos conhecidos em ditadura: "os camaradas" Lenine, Estaline e Mao - que tantos caminhos e caminhantes fez em Portugal - todos eles ditadores no séc. XX. Mas por ora ficamos só por De Gaulle, Miterrand, Hokl e Barroso, todos democratas. Os ditadores ficam para depois - embora uns e outros disfarcem em igual forma a sua sede de poder absoluto com generosas intenções.

Desta forma, e a praxis política de José Barroso, hoje mordomo-mor em Bruxelas, demonstra-o à saciedade e com nítidos prejuízos para a economia nacional - (até pela situação que deixou, com S. Lopes a desgovernar Portugal durante 6 meses negros na história política portuguesa)- a Política é vista como a ciência da mais ampla usança culmina na arte do fingimento, como diria Baltasar Gracián. E aquele trejeito queixal que Durão põe para ganhar pose e dimensão de Estado, não passa dum tique para disfarçar falta de ideias ou projectos para a sociedade. Os tiques denunciam sempre os homens, sobretudo quando mentem...

Feito este intróito ou prolegómeno, que justifica a dignidade científica e académica do tema, vamos agora ilustrar estes casos de forma particular.

A semana passada evocámos aqui uma frase lapidar de Chateaubriand que diz que a ambição sem capacidade é crime, e aplicámo-la ao trajecto político de José Barroso (Durão) por razões que são evidentes e remetem o observador para a história política recente de Portugal e da Europa. Recuemos na história e vejamos sumárimanente a conduta política de De Gaulle e o fingimento das suas convicções ou a manifestação das suas intenções por forma a que as mesmas reforçassem a sua eficácia política, i.é, reforçassem o seu Poder.

Em 1968, De Gaulle proclama em público a Argélia francesa e a maioria dos seus apoiantes acreditava nisso. Porém, in private, o general pronunciava-se ora a favor ora contra aquele estatuto da Argélia, especialmente numa conjuntura histórica em que se operava o movimento da descolonização fomentado (também) pelos EUA - processo esse que acabou por ter reflexos objectivos na matemática eleitoral no sistema de votações da Assembleia Geral da ONU quando dezenas de países africanos ascendiam à independência e, desse modo, alteravam a direcção do sentido de voto ao nível da ONU.

Mas De Gaulle fazia os possíveis para se ir aguentando na ribalta, como??? Precisamente revelando a sua duplicidade, contando as suas mentirinhas ao povo de modo a que a sua duplicidade na questão da Argélia pudesse alimentá-lo políticamente, e fazer difundir uma intenção e uma imagem de poder pessoal que o (re)projectasse na arena internacional que então passa por grande mutações, designadamente ao nível das independências que já tinham sofrido um impulso com a Conferência de Bandung, em 1955 e com a comsolidação do movimento dos não-alinhados.

Portanto, De Gaulle pronunciava-se a favor ou contra da ideia duma Argélia francesa consoante os interlocutores para quem falava. Tudo por calculismo político? Para reatribuir à França a majestade e a potência de outrora - ante uma América do Norte cada vez mais hegemónica? Para libertar a França do post-Guerra e de futuros problemas (neo)coloniais e outros traumas? Por realismo político? Por tudo isso, certamente!! Mas também por causa do papel que jogo nesse contexto a variável-mentira na formulação da linguagem e do discurso adequado e das convicções, intenções e fingimentos postos em marcha no palco da política em que o general era um mestre.

Vejamos agora o caso de François Miterrand, outro grande mestre, mais refinado e já integrado noutro tempo histórico, social e político mais próximo de nós e a quem Mário Soares tratava por mon amis Miterrand, com alguma piada. Sobretudo, porque nunca vimos adopção da mesma fórmula do outro lado, parece até que era só Soares é que era seu amigo, e que Miterrand o era o era menos relativamente a Soares e a Portugal. Mas adiante...

François Miterrand era senhor duma cultura política impressionante, tinha lido os clássicos, era culto e portador dum excepional sentido prático das coisas. Diplomático e rude, se bem que esta dimensão nunca avultasse nele, nem na história. De modo que o misterioso François sabia usar da dissimulação como Soares da demagogia.

Era, de facto, um político extra, nunca revelava as suas intenções cedo de mais relativamente ao necessário, dominava e manipulava a opinião pública e assim se tornou dominante durante anos. Aproveitando todas as situações para se projectar como um justicialista, se bem que, subreptíciamnete, se ía afirmando um adepto do liberalismo de mercado e (amigo) da logica economicista que pôs não só pôs o "socialismo na gaveta" - como Soares fez em Portugal - como também abriu as portas à anarquia do liberalismo que se consubstanciou numa plataforma mais sangue-suga das populações e que hoje responde pelo nome de neoliberalismo e a que se cola a ideia da globalização predatória (R. Falk) abundantemente demonstrada por um recente Prémio Nobel da Economia (por mérito próprio, Joseph Stiglitz) - que acusou, justamente, o velhinho sistema de Bretton Woods pela degradação doutrinária e praxis económica em inúmeros países africanos, asiáticos e sul-americanos que precisaram dos programas de ajustamento económico geridos pelos economistas do FMI e BM.

Um pouco como fez Richard Nixon relativamente ao Vietnam. Na frente diplomática e da opinião pública afirmava a sua vontade em retirar daquele labirinto, mas na frente da guerra continuava a bombardear aqueles territórios que tantos mortos fez de ambos os lados, e para quê, afinal?!.Para quê sr. Henry Albert Kissinger???

H. Kohl foi outro manipulador da política, e apesar de ter dimensão de estadista, como De Gaulle e Miterrand, não deixou de recorrer à mentira na política para consolidar a sua dominação política na Alemanha durante uma década. Em 1989, com a queda do Muro de Berlim, põe-se o problema da unificação da Alemanha - separada ao tempo da II GM e depois recortada pela Conferência de Yalta em 1945 - que a retalhou em quatro zonas de influência para efeitos de despojos de guerra, e também para que nunca mais a Alemanha tivesse as pretensões que teve e com os resultados históricos que também são conhecidos.Apesar de hoje alguns energúmenos tentarem refutar os factos - dizendo que, afinal, não foram assim tantos os judeus que foram assassinados por Adolfo e pelo seu sanguinário e patológico regime totalitário.

Kohl preparou à sucapa os reencontros da parte oriental com a parte ocidental mas encobrio-os aos seus aliados europeus - dos quais temiam os efeitos dessa reunificação bem como as intenções que lhes subjaziam. Kohl cenarizou todas as opções, agiu em segrado, simulou o que havia a simular e depois - quando percebeu que da Europa não vinha obstáculo sério e/ou impeditivo à reunificação, confrontou a Europa e o mundo com a política do facto consumado e uniu o povo alemão e, em boa parte, desarmou os seus aliados.

Pelo caminho, disse sim e não, a tudo e a todos, atendeu as expectativas políticas, se bem que no domínio económico essa reunificaação deixasse muito a desejar pelo gap dos níveis de vida de uns e outros alemães, como seria óbvio depois de quase meio século a viver sob sistemas políticos, ideológicos e económicos radicalmente diferentes. Mas o Chanceler alemão sabia, de facto, que uma indecisão prolongada nesta matéria tão sensível representaria uma fraqueza que o "mataria" políticamente, daí a sua duplicidade e recurso à mentira para não perder peso político e, ao mesmo tempo, cobrir a parada negocial da sua vida e o desafio mais importante da Europa naquele tempo.

Até porque Kohl sabia que as pessoas detestam ser enganadas quando o objecto do engano vai contra os seus interesses. Aqui o povo detesta que lhes omitam a verdade que, em rigor, também conhecem.

Quanto a José Barroso há mui pouco a dizer na sua vida, no seu trajecto e nas suas torpes intenções políticas que nada têm a ver com os supostos altos interesses de Portugal e da Europa, mas em diferentes tempos políticos que, a dada altura, se confundiram na sua mente.

Desde logo, pelo aspecto caricato do seu próprio nome. Quando chegou à Europa - depois de ter deixado Portugal a arder e ter traído o contrato político que havia contraído com os portugueses em eleições - (e de ter criticado Guterres por ter abandonado o "barco" na sequência da derrota das eleições autárquicas de 2002 e de ter entregue o poder a um player completamente impreparado, especialista em incendiar congressos do psd) - Durão revê a sua própria identidade, e diz aos jornalistas que - doravante - seu nome passaria a ser José Barroso. Só do ponto de vista clínico e do estudo da patologia das identidades - isto revela dados muitos curiosos, denunciadores de per se, mas deixemos a sistematização destas patologias para outra oportunidade. Mas é bem capaz de ser a única coisa que fica depois do seu mandato: ter alterado o seu nome quando chegou a Bruxelas...

Mas o affair barroso Portugal-Europa é muito curioso - não porque se possa comparar com aqueles homens políticos que foram verdadeiros estadistas e já têm assegurado um lugar na História, mas porque se lhe aplica bem a frase de Chateubriand - a ambição sem capacidade é crime. Além de que não se pode avançar mascarado, escondendo intenções, ocultando claramente o que pensava, visando enganar rudemente o povo português e apoiando-se no caso da guerra ao Iraque para capitalizar essa plataforma de lançamento político que culminou na sua eleição para presidente da CE.

Ainda regressaremos ao tema, embora a grande questão aqui, até para efeitos politológicos e/ou científicos, é mostrar que esta questão da mentira na política se tem afirmado e multiplicado na Europa (e nos EUA), tem-se tornado uma prática corrente nos métodos de captura do poder, e no caso do sr. José barroso a grande questão que se lhe pode imputar em termos políticos, académicos, pessoais e históricos é a de não se enganar tanto e tanta vez o povo - quer o português, quer o da Europa no seu conjunto.

Hoje são cada vez menos úteis e eficazes as mentiras em política, não produzem os efeitos desejados pelos seus fautores. Hoje toda a gente olha para Barroso e percebe exactamente o que ele fez, ainda que só alguns o tivessem perscrutado ao tempo em que ele burilara esse timing da decisão. Toda a gente adivinha onde barroso quis chegar, e a sua credibilidade política e pessoal encontra hoje uma razão directa ou proporcional à condição de G.W. Bush no que respeita à grosseira mentira das armas de destruição maciça no Iraque, mas é óbvio que não se pode enganar o povo por muito tempo.

Mas o mais curioso nesta tramóia toda é que todos estão em declínio ao mesmo tempo: Bush, a arrastadeira Blair e Barroso são a face da mesma moeda, a moeda da MENTIRA NA ESFERA DA GLOBALIDADE. A MENTIRA DA GLOBALIZAÇÃO. A MENTIRA NA POLÍTICA.

Infelizmente, há sujeitos que só conseguem ver e medir a história pelo peso em euros e dólares que querem meter no seu bolso. Há sujeitos que só vêem a história com uma perseguição pelo lucro, pelo poder, pela influência, pela riqueza, pelo status, pela soberba, pela gula...

Mas como se pode fazer tudo isto sem uma ideia estratégica para o Continente Europeu? Sem um projecto, sem uma visão?! É aqui que reconhecemos o logro e somos forçados a concordar com Chateaubriand:

A ambição sem capacidade é crime.

Um crime que tem feito isto às pessoas, aos povos e às sociedades...

  • Dedicamos esta reflexão aqueles que amam a verdade na Política, e fora dela. Aos que amam a Verdade na vida e na análise dos fenómenos sociais. Aos que lutam pela vida com Verdade. Aos homens com carácter do nosso tempo.