A história segundo George Orwell
Já aqui nos referimos à importância da tal imaginação sociológica sem a qual não conseguimos analisar ou surpreender os fenómenos sociais totais, ou seja, aqueles factos que pela sua importância e dimensão podem ter uma incidência ou raiz local ou nacional mas acabam por repercutir-se na escala global em que hoje todos operamos, directa ou indirectamente. O ambiente, a proliferação das armas nucleares (bactereológicas, químicas), o terrorismo em rede, a criminalidade económica e financeira, as migrações, o tráfico de droga e o conjunto das mobilidades - de pessoas, capitais, equipamentos - potenciam esse ambiente de contração entre o que é local e o que é global, de contração do espaço e do tempo - daí nascendo uma nova fronteira - a glocalidade. A imaginação sociológica (teorizada por C. W. Mills), como vimos com a reflexão infra acerca da Mentira na Política - permite-nos recolher elementos ténues e fragmentários da experiência política e da história recente, e extrapolar para outras realidades mais complexas, coerentes e verídicas do abismo democrático em que vegetamos actualmente na Europa. Uma Europa onde estamos suspensos... Esse tem sido o legado-barroso nestes últimos dois anos, e quando se fizer a história geral da Europa nesse período ficarão registadas uma de duas coisas ou mesmo ambas: uma página em branco e/ou uma página negra. E como é que chegamos a esta conclusão? Evocar só a alta traição política cometida por players menores do actual palco político luso-bruxelense não basta, urge ir um pouco mais além na malha analítica, doutro modo ainda se pensa que temos alguma questão pessoal com A, B ou C. Não!!! Nada disso. O que aqui visamos é a compreensão da história nas ondas e nas correntes mais subterrâneas, e que George Orwell tão bem ilustra duma forma que é susceptível de uma aplicação política e moral de alcance universal. Significa isto o seguinte:
A tal imaginação sociológica... que hoje falta à academia lusa - que alberga os amigos, as amigas, os feudos, as amantes, as mulheres, as namorados, os namorados e todo um role de cunhismo vadio e podre que tem destruído a universidade por dentro - fazendo dela aquilo que ele é hoje: um amontoado de cunhas e favores, de vaidades, de soberbas e de arrogâncias que escondem a falta de ideias, de talento, de saber, de tudo. Um montão de inércia e de gente sem valor e sem interesse cultural, científico e até pessoal. Gente que nem para trolha servia. Senão ainda as paredes das casas nasciam empenadas... Esta dimensão humana que (re)situa a obra de G. O. é relevante, na medida em que ajuda a perceber o lugar à parte do escritor na literatura política do nosso tempo. Mas concretamente, a sua superior originalidade enquanto escritor político está no facto de detestar a política. Mas daqui nasceu um paradoxo na sua personalidade, já que pessoas que lhe eram próximas, como o seu colega jornalista - Cyril Connoly, abservava que Orwell "era um animal político, levava tudo para a política. Não se assoava sem fazer um discurso sobre as condições de trabalho nas fábricas de lenços".A história já mostrou por diversas vezes que não é preciso grande coisa para meter milhões de homens no inferno de 1984: basta um punhado de vadios organizados e determinados que vão buscar o essencial da sua força ao silêncio e à cegueira das pessoas vulgares. As pessoas vulgares não dizem nada porque nada vêem. E se nada vêem, no fim de contas, não é por falta de olhos, mas, precisamente, por falta de imaginação.
Por outro lado, já a sua 2ª mulher, Sonia, que o conhecia naturalmente melhor, afirmava que G.O. se tinha comprometido na política devido a um acidente de percurso, porque a sua verdadeira natureza estava em viver no campo como um pacífico ermita só saindo para visitar amigos. E se tivesse podido seguir as suas inclinações naturais, só teria escrito romances e cultivado o quintal.
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