Cavaco e Sócrates - por Vasco Pulido Valente -
Cavaco e Sócrates VASCO PULIDO VALENTE [in Público assin.]
"Odr. Cavaco e o eng.º Sócrates são de certa maneira muito parecidos. Saíram os dois de um obscuro canto da província (um de Boliqueime, o outro da Beira) e em Lisboa, no Governo e, no caso de Cavaco, até em Belém, nunca verdadeiramente se adaptaram à cultura urbana. Vem neles sempre à superfície o constrangimento do estranho, uma certa reserva de quem não está em casa e uma atávica desconfiança da volubilidade e das maneiras de uma classe média e de uma burguesia com uma educação mais sofisticada e cosmopolita. Não "pertencem". Mas, por isso mesmo, têm uma enorme vontade de poder, servida por uma enorme paciência e disciplina. É a velha história, que encheu dois séculos de literatura, do jovem que sobe à capital para a dominar, na sua variante moderna e portuguesa.
Reforçada por uma ascensão difícil, a certeza íntima do seu mérito acabou nos dois, muito previsivelmente, em todo o autoritarismo e rigidez que a democracia permite. Falam pouco e com prudência. Mandam com discrição e com "firmeza". Num país politicamente educado por Salazar, não custa perceber como se tornaram, e foram aceites, como o modelo do "chefe". As raízes da persistente popularidade de ambos chegam fundo e longe; e não dependem da "rua". Não admira que se entendam, tanto mais que não há entre eles qualquer competição de prestígio ou de interesse. Quando Cavaco apoia Sócrates, não apoia o Governo ou o PS, apoia as "reformas" que ele próprio, em grosso, faria e principalmente a "ordem" e a "dignidade" do Estado, isto é, o fim da balbúrdia partidária, da "rasteira" de corredor e do escândalo público, que ele detesta.
Como de resto já disse, Cavaco prefere a maioria absoluta, qualquer maioria absoluta, a qualquer espécie de coligação. Ou seja, prefere um poder incontestável e forte a um poder contestável e fraco. E compara com certeza a actual submissão do PS e o unânime congresso de Santarém à perpétua "trapalhada" do PSD.
Para ele, como para Sócrates, não existe a menor dúvida sobre o que o país precisa. A discordância é um erro ou simplesmente uma perversão pessoal; e o conflito (que a democracia infelizmente tolera) um lamentável embaraço ao trabalho de salvar o país. Para o dr. Cavaco e o eng.º Sócrates, Portugal deve obedecer a quem sabe, nomeadamente ao dr. Cavaco e ao eng.º Sócrates. Neste ponto, e por enquanto, a harmonia é total."
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Sublinhado é nosso, a foto não.
A entrevista [in dn]
Nuno Brederode Santos
Jurista
"A entrevista de Cavaco Silva à SIC foi surpreendente. Porque ele podia ter dado o apoio inteiro que deu ao Governo, mas - e como até lhe vai no hábito - com a reserva e o distanciamento que as ideias dominantes sobre solidariedade institucional largamente permitiam. Bastava-lhe, para isso, invocar algumas noções de uso corrente: este é o Governo legítimo de Portugal, ele tem o direito de pôr em prática as suas políticas e não é função do Presidente substituir-se à oposição. Não quis, porém, ficar por aí. Quis envolver-se, subscreveu a governação (até com detalhe sectorial) e usou amiúde de um "nós" que, se às vezes ainda pôde ser tomado por "nós, os portugueses", outras era inequivocamente "nós, o Governo e o Presidente".
Sugeriu um relacionamento murmurado, feito de cumplicidades patrióticas e até de alguma co-autoria silenciosa em medidas e políticas em curso. E, ao compreensível espanto da entrevistadora, que lhe quis recordar quem fora o seu eleitorado, ele respondeu invocando a "cooperação estratégica" que abertamente defendeu durante a campanha eleitoral.
Não foram, por isso, a lealdade e o recato, a que a mais elementar solidariedade institucional obriga (e nem me lembro de que Presidente algum a tenha sequer beliscado durante um primeiro mandato), o que a entrevista teve de surpreendente. Foi, sim, o gesto, facultativo e ponderado, de partilhar e caucionar, militantemente, as coisas que já estão feitas, as que publicamente foram anunciadas e, em boa lógica, tudo aquilo que for decorrência de umas ou outras.
É nisto (que, aliás, não é pouco) que residiu a surpresa. Mas não que ele, como sugeriu, possa ter assim demonstrado a falta de fundamento dos agoiros e receios de alguns críticos durante a campanha. Por mim, mantenho que não há prova cabal em oito meses. E reitero o que aqui escrevi em Janeiro: só depois da última e mais impopular das reformas necessárias que ele sabe que a direita não poderá ou quererá fazer; depois de o estado-maior nogueirista do PSD ser substituído por devotos; depois de o CDS se vergar de vez ao império estratégico do PSD; e, o que é cronologicamente mais fácil, depois da presidência portuguesa na UE - só depois destas quatro condições acumuladas é que uma nova entrevista como esta (e mesmo que relevando de uma concepção da presidência que não é a minha e que reputo perigosa) faria a cabal demonstração daquilo mesmo que ele agora pretendeu ter demonstrado."
- Obs: Macroscópicas: feliz ou infelizmente que o "seu" amigo (de Nuno Brederote) - dr. Sampaio nunca conseguiu ter essa "cumplicidade" com Guterres, nesse sentido se calhar perdeu-se algum captal-político. Porque será...
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