A nossa "gaiola de ferro" e o "desencantamento" (expressões de Weber)
Vale a pena meditar nas declarações do ministro da Economia porque elas encerram um mal maior, ainda que inconsciente. Não creio que aquilo tenha sido apenas um lapsus linguae nem pobreza de vocabulário, como referia Marcelo R. de Sousa. É mais, muito mais do que isso. Vejamos: nunca o silêncio foi tão gritante na Europa como hoje. Vivemos uma situação históricamente dramática, sem liderança, visão e projecto para a Europa. Esta vive, pela 1ª vez na sua já longa história, uma crise mundial em que não é um protagonista, mas um actor secundário, i.é, a Europa é hoje um tabuleiro de xadrez cujas peças são jogados por outros. Na economia, na alta política, na segurança, nas comunicações a República Imperial dá cartas e distribui o jogo. As declarações da Srª Rice a Freitas do Amaral são disso um triste exemplo, o que até é capaz de ter agravado o estado vertebral de Freitas, tamanha a desilusão. Mas as palavras do sr. Pinho de 6ª f. passada - contraditadas pelo próprio no day-after - reflectem também a distância entre o anunciado e o realizado, um gap que se torna cumulativo e insustentável fazendo com que os portugueses menos avisados não consigam definir com segurança entre o que é previsto e o que é realizado em todos os sectores de actividade. Este equilíbrio rompeu-se, fragmentando-se também a confiança das populações nos dirigentes políticos. Sendo que o resultado mais evidente - à luz da opinião pública - é que hoje há uma terrível incongruência nas sociedades ditas desenvolvidas entre os anúncios políticos e as realizações políticas, denunciando a falta de direcção política que conduz ao tal efeito perigoso da desregulação do desregulador. Isto adia a modernização e frustra o crescimento e o desenvolvimento. De facto, o anúncio de um qualquer objectivo político deve ser sempre acompanhado da instalação de instrumentos, de serviços e de afectações orçamentais que emeprestam conteúdo prático aqueles objectivos políticos. Quando estes não encontram confirmação gera-se um efeito de distorção, as promessas são mal vistas e entra-se em descrédito (cumulativo) se o erro for repetitivo, podendo até conduzir a uma crise de governabilidade. Aparentemente, são assim que as coisas se passam no campo do discurso político. Mas urge ir um pouco mais fundo e ver o que está sob a crosta dessas declarações ou doutras similares em que já nos especializámos. I.é, qual a razão de ser deste nosso desencantamento? Cremos, contudo, que o que aqui está em causa, de modo mais profundo, é a própria crise da noção de racionalidade política, económica e social do passado que tem orientado as sociedades. E a crise dessa racionalidade supõe um reconhecimento prático da interferência das emoções na produção das racionalidades gerais, que se não forem eficazes geram, por seu turno, múltiplos desencantamentos, que é uma expressão do maior sociológo da modernidade, Max Weber. São, pois, essas fórmulas de desencantamento que têm aprisonado o homem (Ocidental, o europeu médio) à grave crise em que hoje vegeta. Mas que crises e/ou desencantamentos são esses?
1. A subordinação do homem à técnica com Heideger2. A subordinação da sociedade à suposta racionalidade instrumental das burocracias (Weber)3. O afastamento entre as elites políticas e as massas na leitura do interesse nacional4. As racionalidades contra as emoções das multidões (com Elias Caneti e A. Kojève)5. A tentativa de recuperar a racionalidade crítica contra a tragédia da História
Ou seja, o homem Ocidental médio vê-se hoje confrontado com "n" declarações made in Pinho, ele é apenas um sintoma duma doença maior e mais funda alí prevista. É que hoje não dispomos duma reflexividade crítica sobre a racionalidade, e como não dispomos dessa capacidade de auto-crítica reproduzimos as barbaridades do sr. Pinho - prometendo aquilo que jamais sabemos não poder realizar. Até nas nossas vidas privadas fazemos isso. Logo, esta crise vai muito para além da política, ela inscreve-se na área do próprio pensamento, da filosofia, está plasmada na nossa personalidade colectiva que Camões tão bem definiu há 500 anos, e desde então pouco ou nada mudámos. Hoje confesso que até me apetece agradecer ao sr. Pinho pelas suas anormalidades dircursivas, pois foram elas que me fixaram a esta reflexão, e dela verifiquei a nossa insuperável incapacidade de metermos de lado as constantes interferências das emoções dos sujeitos políticos sobre a massa de informação que volatiliza o mercado da opinião pública, que o manipula e que, em seu nome, mobiliza ou fragmenta todo o pulsar duma nação. Afinal, os discursos tanto podem construir pontes como rachar estruturas. Creio que Portugal está hoje possuído por esse desencantamento feito de irracionalidades múltiplas que não nos deixam pensar. E quando não pensamos no que dizemos só dizemos asneiras. E para asneira já nos basta este ministro da Economia. Oxalá o Pib não se ressinta tanto com ele como os portugueses.
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