domingo

O Ornitorrinco e a Blogosfera: tributo a Umberto Eco

O ornitorrinco é um animal estranho, muito estranho. É achatado e parece que foi concebido para desafiar a imaginação do homem e toda a classificação científica sobre ele. Mede cerca de meio metro, pesa mais ou menos 2 quilos, tem o corpo achatado coberto de pêlo castanho-escuro, não tem pescoço - como certas pessoas - e tem cauda de castor; tem bico de pato, de cor azulada por cima e rosada por baixo, não tem pavilhões auricolares e as suas quatro patas confinam com cinco dedos palmados, mas com garras, vive debaixo de água, aí se alimenta, pode ser considerado um peixe, a fêmea põe ovos, mas aleita as suas crias, embora não se vejam os bicos das testas, nem, de resto, se vêem os testículos nos machos, que são internos. Parece um animal do outro mundo, feito de bocados de outros animais (daí a analogia com a blogosfera). Mas o genial Umberto Eco, conhecido escritor, esteta e semiólogo, além de muitas outras coisas só próprias dos génios, elabora um pensamento sobre o animal para relativizar as categorias analíticas de Kant, ou seja, correlacionando-o ao pensamento de Kant de modo a analisar um problema filosófico acerca das categorias interpretativas que permitem ao Homem conhecer, apreender, compreender o mundo exterior através de narrativas inteligíveis. Em termos práticos, Kant havia teorizado os princípios à priori - tempo e espaço - , mas perante o Ornitorrinco (que é estranho até no nome) - Kant - encontrar-se-ía sem conceitos adequados para o descrever, já que se trata, como vimos, dum animal que parece (ao mesmo tempo) uma toupeira, uma lontra, um castor e até tem um pouco de pato. Voilá, o ornitorrinco. E o homem - o que é senão essa adaptação múltipla ao meio: leão, raposa, lobo, cordeiro, borrego e às vezes um grande cornudo, ainda que seja o último a sabê-lo... A questão que se coloca, por analogia à própria blogosfera, é como é que os naturalistas poderiam descrever um animal que ainda não tinham descoberto, já que os conceitos disponíveis não eram suficientemente elásticos para o descrever. Neste caso, que nome dar à "coisa" que se desconhece? Daí o problema do conhecimento colocado pelo Ornitorrinco, uma questão eminentemente filosófica e epistemológica. Ora bem, com o Rizoma - que anima a Internet - coloca-se recorrentemente esse problema, dado que nela emergem coisas, situações, relações, processos, estruturas, interacções para os quais ainda não há conceitos devidamente estabilizados. Quando isso sucede na blogosfera poderemos dizer que estamos diante o problema do Ornitorrinco. A blogosfera é indizível, vai muito além do jornalismo clássico, surpreende pela velocidade, pela expertise, pela rede de conexões que ostenta, pelo software social que influencia, enfim, pelo efeito agregador, explorador e pelo empower que transfere para os indivíduos.. Não obstante tudo isso, caímos num drama e numa armadilha do qual ainda não saímos:
  • O drama é que falamos quase sempre em generalizações e as coisas são singulares. Por outro lado, a linguagem que utilizamos nomeia mas, ao mesmo tempo, obscurece as evidências existentes.
- Também isto é estranho, tal como o Ornitorrinco da Austrália..., e a blogosfera que colonizou o mundo: o de fora e o de dentro...
  • Post dedicado, naturalmente, a Umberto Eco, ao seu génio e ao seu trabalho sobre Kant e o Ornitorrinco

Umberto Eco olhando para um ponto fixo: será para Kant, para o Ornitorrinco ou para a dona mais bela de Itália...