sexta-feira

Imagine...

- Imagine que tem uns amigos que o convidam a ir passar uns dias a S. Pedro do Sul - distrito de Viseu. Mais concretamente ao lugar de Vilarinho de Valadares - uma aldeia verdejante com cerca de 50/70 habitantes. Aí muitas casas ainda são de pedra e ficam plantadas naquelas encostas íngremes de difícil acesso (até aos animais mais ágeis, leves e rápidos).
  • - Imagine depois que chega, maravilha-se com a paisagem verdejante e cerrada bem como toda a envolvente física e humana - que espelha assim uma espécie de Mata de Monsanto elevada ao infinito, a perder de vista - mas sem a poluição da capital nem as meretrizes que fazem o resto da moldura das grandes urbes.
  • - Imagine agora que ao passar pela rua estreita que atravessa toda a aldeia de Vilarinho conhece pessoas e que elas depois o conhecerem começam logo a tratá-lo pelo nome próprio. E quando você lhes pede uma laranja recebe 4 com um sorriso nos lábios - dessa gente simples, humilde e ainda num estado quase puro - embora um pouco desconfiada relativamente aos estranhos. E destes - ou se gosta ou não se gosta - intuitivamente.
  • - Imagine que convive, come e bebe. Bate umas fotos, sente-se pequeno diante tanto mundo, tanta paisagem secular em que as casas também não o são menos. Algumas de pedra com paredes de 2/3 metros de espessura - mantendo os interiores frescos. E onde, supreendentemente, vai encontrar frigoríficos General Electric da década de 50 e fugões do tempo dos nossos avós, especialmente para quem hoje fronteira a casa dos 40.
  • - É meio dia - e tudo está no melhor dos mundos possíveis; à tarde tudo fica perfeito - por entre as videiras que ajudam à sombra e aos copos que se vão vazando naquelas paisagens da Idade Média povoada de casas de pedra por aquelas encontas abaixo - ou acima - dependendo da perspectiva e do vinho que entretanto se bebeu...
  • - Imagine que de seguida todos tomam banho à mangueirada... Bem comido, bem bebido... sobrevém a tarde, a sua queda a que se soma o inevitável pôr-de-sol - já meio atravessado por estranhas manchas de fumo que lhe roubam algum do seu esplendor.
- Bem comido, bem regado, bem convivido...é uma da madrugada - hora a que as pessoas recolhem depois dum longo repasto pulvilhado com conversas que vão da metafísica absoluta ao erratismo das moscas e do mal que isso provoca nos temperamentos humanos... As pessoas deitam-se levando na memória o registo intenso do dia - feito de inúmeros takes: com gente maravilhosa, de paisagens soberbas e escarpadas, com uma mata tão cerrada quanto perigosa que nos dá (ou pode dar) imensas lições de vida.
  • - Imagine agora que duas horas depois de se deitar - ferrou - e às 3 da madrugada - acorda ao som do sino da igreja local e das sirenes dos carros de bombeiros e dum certo pânico que entretanto paira no ar sufocante - que nos impede uma oxigenação normal, e que chega mesmo a intoxicar. Descobre, de imediato, que tem uns segundos para fazer um conjunto de tarefas simples que normalmente leva dezenas de minutos a fazer. Tudo arde em redor - até a casa onde você e os seus amigos e familiares dormiam o sono dos justos - com labaredas do tamanho dos prédios da Capital, pois algumas das árvores que servem de pasto ao fogo são também dessa dimensão.
  • - Imagine que a sua memória recente só retem o registo da véspera: mas de momento é confrontado com elevadas temperatutas que lhe põem em perigo a vida, os bens e os haveres.
  • - Imagine que o Verão é uma época de reencontros, de férias, de prazeres vários mas que, ao mesmo tempo, - percebe que se não for rápido como a lebre tudo pode findar alí - abruptamente e a elevadas temperaturas - onde também estão carros, carburantes... Tudo num espaço relativamente concentrado que adensa ainda mais o perigo que se pode tornar explosivo pela chuva de fagulhas que sempre ocorre nesse tipo de situações.
  • - Imagine que depois de 6h. de luta contra os caprichos da Mãe-natureza ou o mandato invisível de mão-criminosa, o fogo amaina, apesar do sufoco, e vocês são obrigados a reconhecer que foram esses homens de capacete e vestidos de vermelho - os bombeiros - que lhe salvaram a vida, os bens e os haveres em geral.
  • - Imagine agora que tudo isso é uma realidade a elevadas temperaturas que chamuscam os pelos das pernas, dos braços e o mais... E depois é convidado a escrever uma redação em 25 linhas acerca dos incêndios de Verão do seu tempo e da sua circunstância.
  • - Imagine, por fim, que sobrevive ao inferno do fogo enviado pela Natureza e pela "associação dos amigos dela" - que lá colocam o carburante e desencadeiam os fogos. Imagine que tudo isso não é consigo mas que, de súbito, você passa a ser o centro desse problema - e que a sua propria vida depende da forma como ele é resolvido.
- Imagine que está no deserto e tem alí uns copos d'água para beber mas que, por qualquer razão, está impedido de os beber - mostrando com isso como a linha que separa a vida da morte é tão ténue que nem se vê. Afinal, na véspera correu tudo tão bem: bebeu-se, comeu-se, conviveu-se, trocaram-se afectos, reflexões, pensamentos e...., de súbito, tudo isso poderia ter sido engolido pelas línguas de fogo que avançavam encostas abaixo - onde se encontravam as casas - com pessoas (e animais) dormindo lá dentro.
  • - Imagine agora que tudo isto se passou consigo!!! Imagine...