sexta-feira

A política e a música: duas "drogas"...

- Quantos de nós já não assistimos a um comício, a uma campanha política ou manifestação partidária? Quantos de nós já não assistimos a um concerto musical? Quer num caso quer noutro experimentámos, porventura, e em doses variáveis consoante os níveis de adrenalina de cada um, a uma sensação de vigor e de invulnerabilidade. Nesses momentos parece que ficamos num estado psíquico fora do normal e perdemos todo o medo que temos em condições normais.
- Este paralelo persegue-me há uns tempos e à medida que vamos envelhecendo e acumulando mais conhecimento, experiência e uma soma de tudo isso a que outros designam de sabedoria, parece que podemos fixar uma conclusão provisória: quer a política quer a música alteram-nos o estado psíquico, o que faz com que os nossos comportamentos e estados de alma se alterem sintomáticamente.
- Centremo-nos mais na música que, apesar de tudo, é um mal menor, desde que admitamos que se trata dum meio mais saudável que nos emociona e encanta e, não raro, parece que também cura. A este propósito muitos dos nossos políticos, nacionais e locais, bem poderiam pensar em agendar uma verdadeira cura de música, pois em inúmeros casos só o facto de libertarem o sítio onde costumam estar fazendo rendas de asneiras já seria um alívio para muitos de nós e as populações agradeciam. Além de que o custo também seria menor para a nação, para todos nós.
- Parece, pois, que a música, tal como a política (pura e aplicada) nos dá a volta à cabeça. Umas vezes pela via da emoção, outras seguindo os caminhos mais prudentes da razão. Mas é na música, creio, que os melhores dos nossos sentimentos afloram: o amor, a compaixão despertam através da música.
- Muitas pessoas até espantam os seus males cantando. Evocar recordações também pode fazer bem à alma, mas também pode abrir feridas. Quem não gostaria que o concerto dos Roxy Music em 1986, no Estádio do Farense... tivesse sido ontem; quem não desejaria atrasar os ponteiros do relógio ao dia anterior ao acidente de Camarate que vitimou Francisco Sá Carneiro e outras pessoas... Os exemplos poderiam multiplicar-se segundo os afectos, as inclinações e as memórias de cada um.
- Alguns actuais senadores da nossa república, por exemplo, que integraram o salazarismo e hoje vegetam nas fundações da democracia, e se amanhã o regime mudasse lá estariam eles de braço no ar exercitando a saudação da Mocidade portuguesa, talvez não hesitassem em lembrar os seus bons velhos tempos em que foram ministros do Ultramar, da Colónias, reitores de universidades em Moçambique entre outros alambiques que já não correm, e muitas outras glórias da nação do seu tempo. São os restolhos da memória, eram, então, também mais jovens, e, por isso, ainda tinham fresco na memória a sensação do que era uma erecção. De facto, o tempo é lixado,apagado isso tudo. depois nem já as erecções intelectuais nos valem.. nas brumas da memória.
- Contudo, o paralelo que aqui tentamos estabelecer entre a música e a política talvez seja abusivo, porque ao fim e ao cabo a música ainda nos dá muitas mais alegrias do que a política cretina que se vai fazendo em Portugal: casuística, sem horizente, sem zénite, sem nada. Creio que todos os dias, a toda a hora, a todo o minuto temos boas razões para assim pensar. Não vou dar exemplos porque são por demais evidentes e saltam à vista. Assim sendo, a música tem efeitos mais benéficos em nós do que a política local, nacional e de vocação internacional. Pela música sondamos os segredos do mundo, sonhamos; pela política, tendo por referência o horizonte europeu e, dentre deste, o que se passa no burgo, enjoamos, caímos da cadeira, acidentamo-nos no hospital das nossas vidas.
- De modo que a música ajuda-nos a crescer, a política paraliza-nos; pela música constatamos que até as plantas ficam mais saudáveis, enquanto que pela política as populações empobrecem e perdem progressivamente poder de compra e qualidade de vida. A música embala-nos, a política entala-nos entre pesadelos. Basta compulsar as sensações que temos num contexto de um concerto e aquelas outras que temos depois de um governo alertar a população que o petróleo subiu, o que nos dias que correm já se dispensa de fazer, por que, em rigor, trata-se já dum acto banal.
- Temos, assim, já algumas certezas: a música embala-nos; a política trucida-nos; a música diverte-nos e alegra-nos; a política deprime-nos e ao som de "muitas músicas" até impele os homens a marchar para a guerra, tamanha ironia nos tempos ditos de paz.
- A música suscita em nós um clima de paz, confidência e harmonia que até ajuda a soltar os espíritos malignos que por vezes apanhamos quando andamos por aí; a política, ao invés, funciona como iman e pólo atractor de pequenos demónios que pululam na cidade e conduzem a más governações, a inércias, a incompetências, a níveis insustentáveis de corrupção, enfim, abrem caminho para o cancro: o cancro social.
- No entanto, seria redutor dizer que toda a música é sempre boa e que toda a política nunca presta. Momentos há que, contudo, a música é intragável e a política aceitável. Veio-me este paralelo à cabeça por uma conexão um pouco saloia: a porcaria de música que certos políticos nos dão!!! - para realizarem os seus mesquinhos e pessoais objectivos que, na maior parte dos casos, não passam de projectos pessoais, apostas de família, meros acacsos da história, egos mal curados, desequilíbrios psicológicos ou, simplesmenmte, porque são maus profissionais decidem compensar-se ingressando na política. Por isso, e a partir de agora, quando vejo um mau político fico com vontade de lhe oferecer uma boa colecção de CDs; mas mesmo que a música não seja admirável jamais me sentiria tentado a sugerir a um músico que frequentasse um comício. Aí sim, é que jamais teríamos boa música e política tolerável.