quinta-feira

Espessura de Marvão: uma não-zona

Image Hosted by ImageShack.us O tema da globalização (cultural) veio de novo à baila, desta feita em Marvão. Este misto de constrangimento com frustração leva-nos a teorizar uma das modalidades daquela teoria, só que enquanto vector de produção de símbolos, de identidades e de culturas que, em rigor, deveriam ter a ver com as chamadas mobilidades sociais, económicas e culturais. Ou melhor, foi por falta de todas essas dimensões que um bloco maciço de território, por natureza denso e com espessura histórica acabou, afinal, por ficar mais vulnerável do que uma folha ao vento. É sabido que os sábios tipo manga-de-alpaca da Unesco codificaram um sem número de critérios cretinos (que vão adaptando consoante o grau de relações e de amizades que têm com os agentes do poder em cada país proponente dos projectos) - e é através deles - que nos vêm declarar que Marvão é uma não-zona, como no romance de Rufin, em Globália. E como não-zona que é, excluído por natura, pode vir a tornar-se perigoso. Foi essa não-diferenciação dos espaços, segundo os opinadores de serviço do ICOMOS, que Marvão foi chumbado a Património da Humanidade. Com isto ficámos a saber que Marvão é agora parte integrante do universo da não-globalização que assenta em dois aspectos: a exclusão, porque se tornou não-historicizável, não revelável perante as lentes doutas dos chouriços da Unesco e conexos. Aqui residem todos os territórios e espaços que não conseguem atrair investimentos ou actividades de empresas transnacionais geradoras de riqueza. E, em 2º lugar, ficámos também a saber que Marvão assume agora uma trajectória inesperada, que a incerteza tomou conta do seu destino em matéria de qualificação patrimonial dependerá, doravante, da sua capacidade de integração com espaços geo-históricos que poderão ser propostos à Unesco para a respectiva avaliação. O que significana prática, que a partir de agora Marvão só valerá se for integrado noutros projectos, em manada, que também aspiram à mesma chancela. Não conheço critério mais medíocre do que este. Tão medíocre quanto injusto, iníquo, pois se agora se chumbou a vila com o argumento estúpido de que de que Marvão é indistinto doutros espaços similares, a partir de agora Marvão poderá conhecer a chancela da Unesco porque outros lugares deram um jeitinho, ou foi até Marvão que os calibrou a eles. Isto é o que se chama tentar desenhar um quadrado como um compasso, tamanha é a estúpidez do critério e de mais quem o defende. Mas da Unesco também já se podem esperar mais enormidades. Seja como for, a boa e elástica teoria da globalização cultural veio diagnosticar-nos uma realidade sociopolítica emergente: doravante Marvão só valerá pelo valor dos outros lugares, e são essas trajectórias inesperadas - que configuram hábitos, normas, práticas e comportamentos institucionais de natureza autárquica e nacional - que revelam toda a escala da estupidez política que a própria Unesco também está a alimentar. Pois o que deveria ser era: um lugar proposto, um projecto, uma avaliação. Assim, dá-se azo a que os justos comam pelos pecadores, e estes levem por tabela daqueles, tamanha a injustiça do critério lorpa da Unesco. Tenhamos, pois, esperança que aqui se opere um milagre, pois o facto de Marvão não ter espessura política (em qualificações, organização, recursos sociais, culturais e políticos qualificados e um tecido produtivo estruturado gerador de riqueza) não significa que, amanhã ou depois, não se opere um milagre mediante mecanismos simbólicos e imateriais hoje politicamente incomensuráveis, por forma a que a imagem de sucesso que se pretende associar à nova estratégica ganhadora induza a esse resultado no plano internacional. E por falar em milagres, em Marvão tudo é possível, especialmente se relevarmos a distância que a terra dista do céu... Sempre que lá vou sinto-me um rei das arábias, pois assim que me levanto começo logo a bater com a cabeça no céu, qual torre de Pizza. Talvez por isso tenha quase provocado um acidente com um avião que riscava os céus - que se cruzou com outro em sinal contrário: a minha testa estava no meio...