quinta-feira

Portugal-amolador

Chama-se Júlio e é o amolador de facas, tesouras e congéneres que cobre a zona do Alto Alentejo. Cobre também o Baixo Alentejo quando no Alto não faz negócio. Enfim, o Júlio é um homem do carrossel da globalização rural, um pouco como o mercado de acções. Como me deu autorização para aqui o publicar cá vai - dedicada inteirinha ao Sr. Júlio - com quem me travei de amizades. Depois, passou um turista com muchila às costas e máquina fotográfica ao peito. Já não me recordo se usava peúga branca, o famoso "pé-de-gesso"!!! - Sim, porque Marvão fica infestado de turistas de pé descalço que vão ao Castelo parasitar mais umas fotos e não deixam nenhum investimento na vila. Foi um desses turistas pé-descalços que perguntou quem era o Júlio e o que fazia... Como dos circunstantes eu ainda era o que falava menos mal o inglês tentei transmitir ao "camone" o seguinte: o Júlio era o destino do Portugal contemporâneo: ele estava para a economia lusitana como o Castelo de Marvão para os turistas de pé-descalço (como ele). Ou seja, naquilo em que Portugal se está tornando: um assobio para amolar facas e tesouras. Estava ali a marca d'água de Portugal. E hoje com os grandes investimentos energéticos a zarparem do País, constato isso ainda com maior convicção. É triste mas é assim. Como se a desgraça não bastasse, o "camone" entre o sério e o gozo ainda ensaiou qualquer coisa como: "então os chineses não fazem já isso melhor, mais rápido e mais barato!?". - Entretanto, o amigo Júlio como já estava há uns bons 5 minutos a "apanhar bonés" no meio daquele linguajar, perguntou-me pelos significados do "camone". Repeti o que o camone havia dito. - E o Júlio treplicou: "barda-merda"!!! Ainda pensei que o camone não saía dali sem que o Júlio lhe amolasse a língua ou espetasse um tesoura afiada pelo rabo acima... Confesso que pensei o pior , a avaliar pelos trejeitos faciais do Júlio.. - Como não sabia retroverter aquele expressão em "camone-fluente", a conversa terminou ali, para bem de todos. - Moral da história: fiquei amigo do Júlio; fiquei com vontade de dar um tabefe no "bife", e senti alguma vergonha de Portugal - mas não de ser português. - O Júlio entretanto foi à sua vida. Despediu-se de mim educadamente, mas não sem antes lançar uns olhares de soslaio meio ameaçadores e ruminar umas frases que tinham a ver com "cornos partidos" e coisas do género. - Bom, o camone lá se safou desta. E eu percebi que boa parte de Portugal estava alí, condensado na pessoa do amigo Júlio: traduzindo a figura do Portugal-amolador. Um Portugal que assobia-assobia-assobia..., sempre a adivinhar chuva.
  • PS: pedimos desculpa por ter utilizado a expressão "barda-merda", mas se não fosse assim o Júlio teria transformado o "camone" numa tira de papel e eu, provavelmente, agora estaria a escrever uma outra história, igualmente verídica, mas que não aconteceu. Mas que poderia ter acontecido.