sábado

Jornalismo credível - por Francisco S. Cabral -

O lucro fácil e a natureza humana
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista Desde que rebentou o escândalo do negócio dos selos sucedem-se as prosas moralistas sobre a irresponsabilidade de quem ali investiu. Comentários um tanto enjoativos, porque é fácil falar depois de ter estalado a bronca - poucos alertaram antes de ela acontecer. E também porque sempre existiram, e continuarão a existir, negócios especulativos, mais ou menos lícitos, que atraem analfabetos e pessoas cultas na ilusão do lucro fácil. São conhecidas as febres na Bolsa, com as acções a valorizarem-se porque muitos julgam que elas irão subir ainda mais (lucro garantido), portanto compram, puxando para cima as cotações - até que um dia a bolha rebenta, pondo o mecanismo a funcionar ao contrário, com toda a gente angustiada a vender quanto antes. Aconteceu no crash de 1929, a que se seguiu a maior depressão económica da história, só terminada com a Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, e em menor escala, deu-se a queda brutal em Wall Street em Outubro de 1987 e o rebentar em 2000 da bolha especulativa envolvendo empresas de novas tecnologias. Por cá, foi sentido o crash de 1987, mas já no tempo de Marcello Caetano se registara entre nós uma euforia bolsista que acabou mal, como é da regra. A especulação não é um exclusivo da Bolsa. No princípio do século XVII as tulipas que então a Holanda importava da Turquia contraíram um vírus benigno, que lhes alterava as cores. Essas tulipas valorizaram-se então extraordinariamente. Os holandeses desataram a comprar bolbos na convicção de que a subida do preço das tulipas não iria parar. Mas quando alguém, mais prudente, começou a vender, a queda dos preços foi vertiginosa, arruinando muita gente. A especulação imobiliária é outra área onde periodicamente as euforias acabam em lágrimas. Viu-se na década de 20 na Florida, com o preço dos terrenos a quadruplicar em menos de um ano, seguindo-se o habitual pânico de vendas. A subida exagerada dos preços de casas e terrenos constitui hoje, aliás, uma ameaça à saúde de economias como a espanhola ou até a norte-americana. Naturalmente que a multiplicação das sociedades por acções deu ensejo a esquemas especulativos (alguns fraudulentos) que levaram a estrondosos desastres. Em 1720, a South Sea Company ofereceu converter títulos da dívida pública da Grã- -Bretanha, então muito elevada, em acções suas. Na mira de mirabolantes negócios de ouro e prata na América do Sul, que a companhia se propunha realizar em regime de monopólio, milhares de britânicos aderiram. Entre Fevereiro e Julho de 1720 o preço das acções daquela sociedade subiu sete vezes. Mas os espanhóis controlavam as minas de ouro e prata do Peru e do México e o esquema falhou, levando ao colapso das acções da companhia e à prisão do ministro inglês das Finanças. Um dos lesados foi o sábio Isaac Newton, que melancolicamente terá dito: "Sou capaz de calcular o movimento dos corpos celestiais, mas não a loucura das pessoas." Por essa altura, circulou em Londres um panfleto vendendo acções de uma sociedade que iria concretizar um negócio dito fantástico, mas não especificado. O autor conseguiu em cinco horas recolher duas mil libras (uma fortuna, na altura) e depois desapareceu para sempre. No Norte de Portugal, há cerca de um século, houve quem comprasse acções de uma sociedade fictícia que iria construir uma linha de caminho de ferro de Amarante à Lixa. A credulidade das pessoas não tem limites. Em 17 de Janeiro passado, a CMVM e o Banco de Portugal alertaram para os perigos do investimento em bens tangíveis, incluindo selos. Pois logo surgiram no site do Diário Económico reacções indignadas de leitores contra a ingerência do Estado. Mas, neste caso, a credulidade até tem alguma desculpa. Houve desatenção das autoridades de regulação, sobretudo das espanholas. Jornais respeitáveis tinham elogiado o negócio dos selos. O português presumível líder da operação gozava de alta reputação em Espanha e foi condecorado pelo Presidente da República de Portugal. Consultada por um investidor, a própria Deco há menos de um ano classificou a Afinsa de "credível". Claro que quando se promete um rápido e seguro enriquecimento se deveria logo desconfiar: tal conjugação não é possível. Mas a natureza humana é o que é. Como dizia o economista Kindleberger, "nada há de mais perturbante para o nosso bem-estar e para a nossa capacidade de julgamento do que vermos um amigo enriquecer".
  • Macro-despacho: só o Francico é que se lembraria de evocar aqui o caso das tulipas que a Holanda importava da Túrquia. Esta é de antologia, sobretudo por mais ninguém se lembrar ou saber discorrer sobre isto que, afinal, tão ligado está ao esquema de funcionamento dos actuais mercados financeiros e às fraudes que, regra geral, acompanham as chamadas contabilidades criativas dessas mega-operações empresariais de que e Enron, nos EUA, foi apenas um exemplo. Este é mais um exemplo de jornalismo credível e de grande qualidade intelectual que contrasta com o mercenarismo que colonizou este sector em Portugal. Já agora, informe-se desta peça o sr. Sampaio, que parece que foi ex-PR portuguesa durante 10 anos (eu disse 10 anos!!!) e cujas medalhas atribuídas no fim do seu mandato, como quem distribui rifas em festas de província ou dá chocolates aos pobres em dia de Natal neste miserável Portugal, contribui para esse desleixo institucional cujos resultados - no caso Afinsa - estão agora à vista. Só é pena é que o sr. sampaio não tenha lá investido todas as suas poupanças... Quiça assim já teria intercedido junto do rei de Espanha para... Quem sabe!!??? Portugal está podre neste reininho da Dinamarca... E se alguns jornalistas são maus e perversos - porque prosseguem ocultamente objectivos privados antes do bem público (que raramente atendem) - outros políticos também não lhes ficam nada atrás. Eu disse 10 anos, uma década!!! Como foi possível??