terça-feira

Inferno de Dante, Elias Canetti, Empédocles e Marighela

- Todos nós, a dada altura das nossas vidas, ficamos algo confusos sobre a nossa própria cosmovisão: umas vezes pensamos que o homem nasce bom e a sociedade é que o transforma num demónio; outras vezes cremos que o homem já nasce feito demónio e a sociedade, no seu processo se civilização, tende a humanizar-nos. A dualidade é, portanto, uma constante entre a velhacaria e a bondade, personificada entre um santo que se demoniza ou o inverso.
  • - A coisa tem sido estudada filosóficamente, J.J. Rosseau dum lado e Maquiavel e Hobbes do outro - expressam essa dualidade de bondades e demónios que existem dentro do homem.Não mudámos nada desde a nossa criação. E o Omega 3 que enfiámos no cérebro foi, em boa medida, só para sacanear a vida ao próximo, raramente para o ajudar. Não pode ser!!! Hoje apenas o homem consegue ser um pulha mais elaborado, precisamente para acompanhar a onda da tecnologia que também se sofisticou e globalizou, mas em matéria de bondade, humanismo e altruísmo todos ontem recebemos o doutoramento pelo programa Prós & Contras de dona Fátima. Eu próprio, confesso, faço um esforço diário para resistir às ondas de modernismo maquiavelista que me assaltam, mas lá vou resistindo como posso e sei dentro do meu esfregão em regime de parceria biblico-kantiana.
  • - Ontem, ao ver o Prós & Contras ainda fiquei mais pessimista acerca da condição humana, pelo péssimo jornalismo que alguns canalhinhas encartados prestam à comunidade, de forma dolosa ou inconsciente: motivados por dinheiro, vendetta, mera antipatia pessoal ou qualquer outro pecado capital que discorre da gula, à soberba, da avareza à luxúria, da ira, ou à inveja, como diria o nosso amigo Luís Vaz de Camões (este não é da família do outro "Vaz"!). Temos constatado, lamentavelmente, que são já inúmeros os jornalistas que se comportam com os piores vícios dos políticos em fim de carreira. São manhosos, interesseiros, maquiavélicos - mesmo sem o terem lido - os chamados maquiavelismos de trazer por casa que abundam em Carnaxide. Ontem, Portugal assistiu a uma das maiores vergonhas da sua própria condição humana: lembrei-me que entre estar alí e num safári em Moçambique, no Parque Nacional da Gorongosa assistindo 17 leões esventrando um hipopótamo era, mau grado a analogia, quase a mesma coisa. É assim que muito do jornalismo que se faz em portugal, se comporta. Depois, há o outro, o jornalismo com pés e cabeça, feito por gente séria, competente e honesta. Ontem, no Prós & Contras tentou-se inúmeras vezes assassinar o carácter dos homens, por diversas maneiras. Houve ali inúmeros ajustes de contas, muitas evocações do passado, muitas derivações, muita guerrilha, muita troca de papéis, com jornalistas a quererem ser políticos, e estes a querer disciplinar jornalistas que só se deixam domesticar por quem que$em.
  • - Razão por que me lembrei, articuladamente, do Inferno de Dante, duma citação do sociólogo Elias Canetti, duma tirada do profundo Empédocles e do Manual do Guerrilheiro Urbano de Carlos Marighela. A todos atenderemos com um pensamento a preceito, forma também de os evocar aqui.
  • - De Dante - evocamos o Inferno:
1. Da nossa vida no meio da jornada
Achei-me numa selva tenebrosa
Tendo perdido a verdadeira estrada
(...)
  • - De Canetti - citamos: O truque é não nos enganarmos a nós próprios acerca de certas coisas: pequenas ilhas rochosas no mar das próprias desilusões. Agarrá-las e não se afogar é o máximo que um ser humano consegue alcançar.
  • - Em terceiro lugar, vem um peixe de águas profundas, Empédocles, um autor que Jaime Gama (presidente da Assemblei da República) muito aprecia, quiça por também ser ele próprio um peixe dessas profundezas. Diz o seguinte:

Oh pobre raça de mortais, tão infelizes,

de que conflitos e mágoas nascestes.

  • - Sobrevém o último dos citados: Carlos Marighela e o seu Manual do Guerrilheiro Urbano. O qual, na linha internacionalista de Che Guevara - diz que um revolucionário deve saber conceber uma boa guerra psicológica no interior do seu país, e se tiver uma câmara nas mãos pode até fazer maravilhas em estúdios de tv modernos acabando, assim, por condicionar a opinião pública. Portanto, o exemplo de Marighela, como diz o poeta, é o de mostrar que com as mãos se faz a Paz e com as mesmas mãos se faz a Guerra. O que vi ontem em estúdio, máxime com a mistificação dos ângulos e das perspectivas que as câmaras assumem em atacar as pessoas por trás, foi, verdadeiramente, uma deriva de branqueamento dum procedimento técnico calculado que é censurável no plano ético, moral e político. Aquilo não é jornalismo, é, óbviamente terrorismo. E até eu que sou da área do PsD fiquei com vontade de apoiar Manuel Maria Carrilho num futuro-futuro, talvez próximo.
  • - Infelizmente, e por razões de modernidade que cresceram com a própria revolução tecnológica e acompanharam a sofisticação das tecnologias de comunicação e informação e decisão estratégica, os jornalistas, alguns deles, são hoje os actores que podem - para o melhor e para o pior - manipular esse palco da luzes, fazendo com que muitos desses holofotes tenham por missão não - meramente iluminar - mas, verdadeiramente, assassinar o carácter dum homem - por razões políticas, pessoais ou outras que remetem para os sete pecados capitais que não abandona a condição humana.
  • - Fechamos esta rábula com mais um livro. Não para dar notas bacocas, como faz Marcelo no seu tempo e antena, ao citar os livros de literatura-ligth - ocultando aqueles que são portadores duma mensagem mais densa e qualitativamente muito superior, mas porque O Deus das Moscas de William Golding - que ladeia o Manual do Guerrilheiro de Marighela ali na foto, é, talvez, um eficiente retrato do que aconteceu ontem à noite no Prós & Contras a propósito dos conluíos e das mafias que algumas agências de comunicação desencadeiam a fim de processar a compra de poder e de influenciação da opinião pública em Portugal que minam, por todos os lados e feitios, o sistema de democracia representativa tal como o conhecemos nas sociedades modernas e pluralistas.
  • - Da inocência à barbárie - é a sua tese, que foi, aliás, Nobel da literatura em 1983. Mas o que pretendo destacar deste romancista inglês - que reflecte bem a história dos comportamentos políticos, sociais e culturais neste Portugal do III milénio, é a sua visão original e dilacerante - que aqui aplicamos para o nosso "asqueroso" contexto em que muitos dos players desta democratura, para citar uma expressão do historiador, jurista e politólogo José Adelino Maltez utiliza na caractereologia deste regime canalha que nos desgoverna, dentro e fora dos estúdios de tv. Ontem, olhando bem para o televisor, perscrutando bem um-a-um aqueles quatro personagens, vi bem a maldade, a canalhice, o calculismo a que submetem as palavras, as expressões, as acções, as omissões, as articulações, as deixas, as simulações, as muletas (coisa que o sr. r. Costa fez durante toda a noite - recorrendo a factos, documentos passados no tempo), enfim, todos os expedientes e subterfúgios a que podem chegar algumas relações perigosas entre a política, o jornalismo e as agências de comunicação que aqui designei de constritores do regime ou gibóias da democracia.
  • - Julgo que esse dilaceramento - que resulta do facto de muitos dos jornalistas denunciarem uma tremenda frustração por não serem políticos, remete também para uma inadequação das suas estruturas mentais e culturais, que estão sub-repticiamente minadas pelas vicissitudes da própria conjuntura política e histórica que Portugal vive nos últimos anos. É essa problemática que atinge o cume nesse Deus das Moscas - que mostra como um grupo de jovens, abandonados numa ilha deserta, nos revela o conflito de valores e de confrontos que encontram paralelo nas nossas sociedades. Este livro comporta uma mensagem de natureza estética, por isso o oferecemos ao filósofo Manuel Maria Carrilho que, apesar de ter cometido inúmeros erros na campanha, merece aqui as nossas felicitações pela coragem em denunciar algo que está podre neste reino que não é da Dinamarca.

Macro-despacho: porque já se está a aproximar a Feira do Livro no Parque Eduardo VII - temos aqui quatro "exemplates" para oferecer: Carrilho é prendado pelo O Deus das Moscas, é o que convida mais à reflexão; Pacheco recebe o Inferno de Dante Aligheri; Rangel - para não lhe darmos um bronzeador factor-protecção 140 - já que ele gosta e abusa de solário, recebe algo de profundo, como as suas próprias reflexões - o Empédocles!! Só é pena que quando esteve na Sic e depois na RTP não tenha feito nada, rigorosamente, do proclamou ontem. Terá alzheimer!!! Será da condição económica que se alterara, como perguntou, e bem, dona Fátima??? A essa questão nem Empédocles saberá responder, por certo!!! Resta o sabichão da Outorela, o sr. director da Sic, Ricard Costa - para ele, naturalmente, segue Carlos Marighela e o seu Manual do Guerrilheiro Urbano. No fim daquela pornochanxada - retrato deste nosso Portugal - confesso que me reconheci angustiado. Interpelei-me: como é possível tanta maldade, tanta canalhice calculada, premeditada, institucionalizada... E dei de caras com aquele alto pensamento que diz: cada vez gosto mais do meu cão. Mas hoje pergunto ao meu cão - de quem é que ele gostará mais... Até porque ele não vê televisão, muito menos a sic, daí a minha angústia complementar que é meta-e-física.