A persistência do papagaio morto
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Seria um crime anti-papagaio, uma ave-rara em Portugal, não ler aqui a reflexão hiper-criativa de João César das Neves sobre a regionalização e o legado dos Monty Python na política à portuguesa. O artigo é do brilhante economista (e teólogo - nas horas vagas) - João César das Neves. Este é o seu mail: naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt . Sugerimos a leitura do seu artigo e tente demonstrar-lhe que o papagaio está vivo. Não é uma tarefa fácil, covenhamos...
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O problema por detrás desta atitude é uma perversão da democracia. Terá já notado que na actual retórica política há expressões que desapareceram completamente. Mantêm-se, tão fervorosas como antes, as solenes profissões de fé democrática, mas deixaram de se ouvir frases como "servidor do povo" ou "cumpridor da vontade nacional". Embora continue a dizer-se que a população portuguesa manda no País, cada vez mais se sente que a opinião pública deve ser convencida, seduzida, manipulada, driblada, mas nunca cumprida. O político de sucesso não é o que faz o que o povo quer, mas o que convence o povo a aceitar o que ele quer. A democracia transforma-se assim numa ditadura que, de vez em quando, tem de fingir respeitar a maioria. Na regionalização, a imposição descarada do que o povo rejeitou é bem evidente.
O problema não é só português. O longo e torturado processo da Constituição Europeia mostra que também os países ricos insistem nos seus patéticos papagaios falecidos. Mas, onde quer que se manifeste, ele vem sempre da arrogância de um pequeno conjunto de iluminados que despreza a massa ignara. Não admira, pois, o crescente desprestígio europeu da classe política.
Em Portugal a questão é mais grave por duas razões. A primeira tem a ver com a dorida relação nacional com a democracia. A nossa cultura é corporativa por natureza.
Por isso, desconfiado fora do grupo de amigos, o povo saltita permanentemente entre a rebeldia fadista contra o Salazar recorrente e a submissão a um D. Sebastião salvador. Por cá nunca ninguém perde eleições, e o vencedor tem, logo a seguir, todos atrás de si.
Daí as dificuldades em implantar entre nós o sistema democrático baseado no fair play britânico. Não admira que os políticos, mesmo os que se julguem mais democráticos, acabem por desprezar os eleitores, só porque não os entendem.
A segunda dificuldade vem da situação actual, aliás frequente nas crises nacionais. O Governo vê-se na necessidade urgente de fazer reformas impopulares, para conseguir recuperar o País e o desenvolvimento.
A firmeza e a resistência contra os ataques são aqui decisivos.
Ora é fácil, nestas condições, confundir teimosia com força e tolice com reformas essenciais. Se os ministros são atacados quando tomam medidas virtuosoas e indispensáveis, como distinguem, no meio da revoada de críticas, aquelas que são justas e merecidas?
Assim, debaixo da solidez de decisões cruciais para a eficiência na saúde e justiça, a reestruturação da administração pública, modernização da educação e forças de segurança, surgem os monstruosos paquidermes brancos, tão finados como o psitacídeo dos Monty Python. A regionalização, como o aeroporto da Ota, o TGV e, em temas mais polémicos, a distribuição indiscriminada da "pílula do dia seguinte" e a liberalização absoluta do aborto e da procriação medicamente assistida são propostas tontas ou nocivas, impulsionadas com a mesma segurança e impassibilidade da necessária consolidação orçamental. Grande parte até sã
o contraditórias com ela.
Quem tem opinião diferente da maioria tem o direito de a defender. Mas em democracia quem abandonar a vontade popular e, sobretudo, o bom-senso, cai no absurdo dos Monty Python.
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