O valor e alcance da crise
Hoje mais do que nunca fala-se em crise, mas isto não é novidade para ninguém. É claro que não nos referimos à crise moral e de costumes que se adensou com a redescoberta da pedofilia e que deixou o país atónito. Mas não para os psiquiatras que conhecem bem o efeito-cruz quando vêm um homem a chorar na tv em directo pedindo clemência e absolvição, quando aquilo mais parece um acto de contrição auto-denunciante. Mas adiante... Falamos da crise económica e das finanças públicas, crise de modernização e desenvolvimento, crise de produtividade e de competitividade entre outros chavões que pautam o dia-a-dia da modernidade. Além da paralisação dos três motores da economia mundial - EUA, Europa e Japão - tudo isto engrenou em velocidade baixa porque desde o 11 de Setembro e o efeito do terrorismo em rede - inibiu fortemente a eclosão de investimento que estava programado ou se estava a planificar. O psicopata do bin laden baralhou todas as regras do jogo, obrigo a rever todas as equações de poder estabelecidas.
Daí ser um pouco gratuito falar da crise, ela sempre existiu. Eu próprio acho que nasci duma crise. Sei de amigos meus que nasceram por acidente. Outros foram indesejados desde que nasceram até ao momento. Por isso, ela, a maldira crise, não é inesperada nem improvável, apenas estava contida e implícita no padrão de desenvolvimento anterior, que se rompeu ou cujo ovo podre eclodiu de súbito e agora reveste-se de novidade. Ela está aí: inflação galopante, desemprego miserável, baixa produtividade, muita corrupção, um sistema de educação e de justiça verdadeiramente laxistas e muitas, muitas outras limitações e contra-odenações do espírito que fazem de Portugal o país mais atrasado da Europa. Então, esta crise não é nova. Vem de trás, tem precedentes, e hoje apresenta-se na Adm. Pública, nas empresas e na sociedade como uma dama em desagregação, debochada, prostituída. Uma crise que é uma meretriz conhecida de todos. Em termos práticos, falar de crise actualmente em Portugal equivale a outros desafios, especialmente para quem escreve, quem analisa, quem enquadra e cenariza.
O que quero dizer é, em suma, o seguinte: todos estes "Carolas" da blogosfera, nos quais me incluo, têm agora de operar em pistas sobrepostas, daí a complexidade relativamente ao padrão de análise da crise anterior. Hoje temos todos de trabalhar em sistemas de referenciação duplos, mistos, múltiplos, que são simultâneos - nos factos e na análise - mas que pela sua variedade e sequência alucinante obriga a compulsar permanentemente o passado recente e o tempo futuro que ainda é presente que desagrega o que escrevemos num ápice.
No fundo, a evocação da crise política, social, económica e moral é agora percepcionada de forma diversa relativamente ao padrão anterior. Quando se usa o conhecimento que já conhecemos, ele está a desaparecer nesse instante (tarefa tão útil quanto frustrante); quando se pretende utilizar o saber a haver no futuro, temos, se tivermos bom senso, outro nome para a sagesse, de reconhecer que ainda não sabemos o que será esse futuro. Afinal, a construção do futuro é o núcleo e o pretexto de todos os nossos pensamentos e conflitos que ocorrem dentro da sociedade e entre sociedades, no seio de cada área cultural e entre culturas. Essa é a minha "luta": a luta do tempo, a luta do futuro, a conquista da Vida, no presente. Vai uma crise?!
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