Os pobres em sociedades ricas - por FSC -
About poverty...
Nota prévia: agradecemos aqui ao Francisco S. Cabral a capacidade de relacionação desta peça de reflexão política, ao mesmo tempo um artigo de jornal que valerá também como fragmento de filosofia política - actuando no concreto - e compulsando as realidades (decadentes e crísicas/ciclicas) do welfare-sate na Europa continental e nos EUA. Só lhe fica bem ser um bom jornalista pensando de forma isenta. Fica-lhe ainda melhor pôr a sua inteligência (solidária) ao serviço dos mais desfavorecidos. Por isso dizemos aqui que também nos orgulhamos de o ter como amigo. Um amigo que pensa bem e fá-lo em favor dos info-excluídos. Primeiro passo para ajudar a resolver os problemas das sociedades contemporâneas regidas pelo capitalismo informacional que não conhece "rei nem roque", ié, regulação possível. Mas o que talvez mais aflore nesta peça, é a sua matriz de pensar tributária do legado aristotélico. Será que ele se deu conta disso... Cremos que sim.
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- Os pobres em sociedades ricas Francisco Sarsfield Cabral Jornalista Em dez anos, a taxa de poupança dos portugueses desceu para metade. Com baixas taxas de juro, entrámos em força na sociedade de consumo. O azar é que entretanto a economia portuguesa deixou de crescer a ritmo aceitável. Ao mesmo tempo, a brutal quebra da natalidade reduz o número de trabalhadores activos a pagarem as pensões de um número crescente de reformados, que vivem até mais tarde. E os défices nas finanças do Estado levam à diminuição dos benefícios sociais, na saúde e nas reformas. A era do paternalismo chega ao fim, num país onde o Estado-Providência apareceu tarde e nunca foi muito generoso, pois a riqueza criada não dava para mais. Teremos então de regressar aos hábitos de poupança do passado, quando não havia segurança social nem saúde paga pelo Estado? Parece que sim, tanto mais que as empresas estão a descartar-se de obrigações que, dantes, assumiam nessa área. Vejam-se os bancos, empresas que não estão propriamente em dificuldades financeiras, mas que pretendem passar para o Estado as pensões dos seus empregados. Não deixa de ser irónico, para quem tanto bramou por "menos Estado". E para quem tanto tem contribuído para a redução da poupança das famílias, com a agressiva publicidade ao crédito à habitação e ao consumo. Mas é compreensível: os bancos privados portugueses têm hoje mais pensionistas do que trabalhadores no activo, em parte porque mandaram muita gente embora com reformas antecipadas. Nos Estados Unidos, onde a protecção estatal é escassa, surge ainda mais nítida a tendência para as empresas se descartarem de responsabilidades sociais para com os seus trabalhadores. Muitas delas, como a General Motors, estão aflitas com os encargos assumidos na saúde e nas pensões dos empregados. Por isso, as empresas americanas estão a transferir para os trabalhadores os riscos dos seguros e das reformas. É que esses riscos aumentaram muito, não só pelos conhecidos factores demográficos (menos sentidos nos EUA) como pela imparável subida dos custos da saúde. Voltamos, então, ao passado em que não havia redes de protecção social? Seria uma conclusão apressada e que não leva em conta um dado essencial: as nossas sociedades, incluindo a portuguesa, são hoje muito mais ricas. Claro que as pessoas têm de assumir mais responsabilidades pelas suas futuras reformas e pelos seus eventuais problemas de saúde. Mas o que fazer com aqueles que não têm rendimentos para tal? Dantes ficavam na miséria, se alguma desgraça lhes batesse à porta. Acontecerá o mesmo agora, com níveis médios de riqueza incomparavelmente superiores? Depende do que a maioria democrática dos cidadãos decidir. Nos Estados Unidos, a economia cresce a taxas notáveis desde há mais de uma década, com fortes ganhos de produtividade. Não obstante, desde 2000 o número de americanos não cobertos por seguros de saúde aumentou seis milhões, atingindo 46 milhões. Não é preciso ser um ardente defensor do chamado modelo social europeu, cuja crise é manifesta, para rejeitar uma organização social onde o crescimento económico gera tanta exclusão. Há outras saídas. Nos agora tão justamente elogiados países escandinavos o alto nível de protecção social não prejudica, antes favorece, o dinamismo económico. Mas para que algo semelhante possa acontecer em Portugal são precisas três coisas. Primeiro, que a economia cresça mais, deixando a sua actual estagnação. Depois, que o Estado ponha finalmente em ordem as suas contas. Um Estado falido não pode financiar despesas sociais, coisa que parece custar a perceber aos que desvalorizam o imperativo de lutar contra o défice orçamental. E em terceiro lugar, mas é o mais importante, há que fazer discriminação positiva em favor dos realmente pobres, aplicando recursos escassos nos que mais precisam. Ora, a discriminação positiva em favor de minorias só acontecerá se e quando a maioria - que decide pelo voto quem governa - concluir ser moralmente inaceitável a crescente exclusão social. Até lá, um político que proponha favorecer a minoria pobre perderá eleições. Quando a maioria do povo era pobre e o sufrágio universal lhe deu voz, o Estado-Providência avançou. Depois, o Estado-Providência foi capturado pelas classes médias, agora maioritárias, e até por muitos ricos, que não dispensam os favores da colectividade. Em democracia, mandam as maiorias. A sorte das minorias excluídas está nas mãos das maiorias, às quais os políticos obedecem.
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