terça-feira

O novo império. Fragmentos do pensamento de Agostinho da Silva

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  • O novo Império
  • O marketing da autarquia de Lisboa em enviar convites para as pessoas que conheceram e não conheram Agostinho da Silva parece, desta vez, que funcionou. Julgo ter recebido esses dois convites em morada antiga, ao que me dizem, a fim de comemorar o centenário da sua vida e obra. Infelizmente, não foi possível reconhecer o seu valor em vida e, as usualy, tenta-se fazer isso à posteriori. Também aqui somos tão muito portugueses. Ou seja, pobremente portugueses.
  • Sabemos, contudo, que Agostinho da Silva (AS) não tinha uma prosa fácil nem sistemática, pelo que tudo andava um pouco à deriva. Mas há dias, ouvia três pessoas, todas na área da Filosofia e todas tinham um interesse comum: inovar na margem do pensamento de AS. Mas todos eles, em regime de absoluta convergência, se interrogavam sobre a valia daqueles livros coord., creio, pelo dr. P. Borges. Pois em todos esses casos, segundo ouvi da boca dessa troika de elementos que se estão a doutorar nas área das humanidades, a confusão aumenta, o carácter sistemático ainda é mais afastado e, por fim, todos concluíam que não conseguiram ler esses trabalhos justificando que em lugar de filosofia estaria alí outra coisa, talvez confusionismo.
  • Confesso que ao ouvir essas pessoas também não me deixei de sentir indentificado com elas. Embora desconte o facto do tal erratismo do pensador que dificultou qualquer sistematização. Daqui extrai-se a ideia de que o filósofo era muito melhor a dissertar do que a escrever obras que depois outros ainda conseguiam obscurecer ainda mais, como creio que é o caso daqueles testemunhos, e que eu não posso deixar de concordar. Pois confesso aqui que também não consegui ler nenhum daqueles livros com vista a recuperar o seu pensamento. E se o tentasse mais esforçadamente julgo que também não apreenderia o essencial de AS.
  • Tentaremos aqui não reproduzir o erro daquela nebulosa e ampliar essas pequenas críticas que muitas pessoas fazem e que eu, muito lógicamente, não poderei deixar de partilhar. A dada altura, e tocados aqui pelo excelente tributo que p prof. José Adelino Maltez lhe presta e que recomendamos vivamente, até porque o conheceu de perto, o filósofo afirma, um pouco na senda de Fernando Pessoa, que nascemos múltiplos e são as circunstâncias da vida que nos impedem a multiplicidade.

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  • Ora vem isto a propósito da ausência de projecto que hoje se pressente em Portugal. Ou melhor, Portugal está de mãos a abanar por detrás das costas sem saber o que é que há-de fazer, como diria Agostinho da Silva com quem tive o prazer de privar durante meia dúzia de anos em sua casa. E como não sabe o que há-de fazer, fala com o Bill Gates. Isto é triste numa nação com mais de 8 séculos. Numa nação quase milenar e que contrasta com a juvenil trajectória da história da nacionalidade norte-americana quando se apartou da sua querida mãezinha, a Inglaterra.
  • Depois, infelizmente, tudo terminou numa cama do Hospital S. Francisco Xavier - alí ao Restelo. Como ia lá com frequência foi muito curioso constatar que os "cromos" que não o largavam em sua casa eram depois os mesmíssimos que rara ou até vez nenhuma tiveram a ombridade de visitar o Homem na cama do Hospital. A natureza humana tem destas coisas, e são estas coisas que me dão algumas naúseas, confesso.
  • Por isso, quando hoje vejo uma catrafada de nomes associados ao pensador e a mais umas instituições conexas, que tratam dos subsídios, do marketing e doutras angariações congéneres, não posso deixar de pensar em Shakespeare, em Camões e, naturalmente, também em Agostinho da Silva - dado que a natureza humana é interesseira e pérfida e nem com o tempo procura emendar-se. O seu "esplendor" está, no fundo, nestes pequenos pormenores da vida e que eu detecto a milhas. São os chamadaos amigos da filosofia rápida, da fast-philosophy que depois terá de ser capitalizada d'algum modo.
  • Parece que somos ou estamos dentro da cápsula dessa fatalidade. Uma fatalidade sem qualquer força histórica, uma fatalidade mesquinha. Ainda bem que eu consegui escapar a esse fatalismo bacoco e egocêntrico de que, aliás, a nossa Academia está cheia. Se não escapasse, naturalmente, sentirme-ia hoje mal, muito mal, especialmente depois de tudo o que aprendi e recebi de Agostinho da Silva e de que serei eternamente devedor. Julgo que foi com ele que me fiz homem e lá fui aprendendo a pensar umas coisas, ante a desordenação do método a que o velho Sócrates depois dava uma ajudinha.
  • Por isso nem sei bem o que escrever nesta efeméride do centenário. Talvez uns versos e pouco mais. Sobre a ideia de Portugal recuperamos aqui este projecto de AS:
  • Image Hosted by ImageShack.us Meu País foi Portugal, e nessa altura Casado com Império, morta depois; Viúvo, há pouco tempo quis ser dois E, após, muita ilusão, muita procura, Namora Espanha, moça de arrebique; Por mim me enamorei do que é Brasil E por fim me casei com sua terra. Ora cá ora lá, eventos mil, Por entre os quais um certo mês de Abril, mar e rio me levam, vale e serra; Quero, porém, ter alvo a que dedique O que ainda me resta em força pura: Penso terei por filho Moçambique, Me encantará o vê-lo gatinhar E meu sonho será seu pé firmar. Talvez desperte seu Avô um dia Lhe fale do passado gosto de viver, Ao futuro o anime e o livre de morrer Naquele esquecimento em que sumia. Hoje, se virmos bem e com olhos de gente, constatamos que vamos regressar à África lusófona através de intermediário: a Microsoft de Bill - the Kid. Sem pensar muito, julgo que tudo poderia ser diferente.
  • Por outro lado, o legado de Agostinho da Silva - no seu pensamento tão universal quanto caótico - remete-nos para uma outra deriva: os mapas do futuro; o papel das hegemonias das grandes línguas (o português já é a sétima a nível mundial); a lusofonia no mundo; o pensamento prospectivo em Agostinho da Silva; a finalidade da expansão da língua de Camões; o dispositivo do Quinto Império e o valor (simbólico) atribuído à Coroação da criança (este ponto é mais discutível); o retrato de África dos nossos dias e, por fim, a ideia de um novo império dos afectos, mas também da modernização e do desenvolvimento.
  • Eis algumas linhas de força que estruturam aquilo que deverá ser o futuro que animará as relações Portugal-África-Brasil-Europa à luz do pensamento e obra do mestre Agostinho. Afinando a ideia duma identidade colectiva que se chama lusofonia. Esta é, assim, um dispositivo de actuação da sociedade civil e da sociedade política, ou seja, integrando os corpos intermédios que estão além do indivíduo e aquém do Estado, e o próprio Estado.

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  • Vejamos um exemplo comezinho mas que pode significar uma grande lição. Há tempos o prof. Agostinho da Silva falou na ideia de criação de uma Escola de Cooperantes no Brasil. Só que não tinha instalações apropriadas para por em marcha aquele projecto. Começou com o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses em Brasília. Mas não tinha nem espaço nem equipamentos adequados – montou o “negócio” encostado a uma divisória de madeira no Ministério da Saúde dispondo, apenas, de uma cadeira para se sentar. Mas primeiro era necessário que a Universidade o autorizasse a criar aquilo. Ela criou e mandou Agostinho ficar à frente do projecto. Na altura, Agostinho da Silva arranjou um papel onde inscreveu a lápis – Centro Brasileiro de Estudos Portugueses. Entretanto, o secretário-geral da Universidade passou e viu aquele “espectáculo” – e lhe disse que era um “cartaz demasiado grande para uma coisa tão pequena”. “O jeito era arranjar uma coisa maior!”. Assim foi, no dia seguinte tinha uma sala. E uma sala já uma máquina de escrever e a pessoa que escreve. Depois dali passou para um armazém de cimento. Era pó de cimento por toda a parte. “Não tem dúvida, a gente fica aqui!!” Depois, também por uma série de acasos, de coincidências, de acontecimentos, o Governo português resolveu mandar para lá uma biblioteca de sete mil e quinhentos ou oito mil volumes. Então, a Universidade teve de construir um pavilhão. E construiu o pavilhão. A Escola Nacional de Cooperantes começara, então, ali. Portugal, hoje, com outros métodos, outras técnicas e tecnologias, outros recursos poderia pensar - à luz daquele exemplo - em recuperar essa ideia e adaptá-la à conjuntura. Fica o desafio aos homens que pensam, aos homens bons, mas também às autoridades e aos decisores da coisa pública.
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  • Eis o que falta aos dois continentes: reinventar a teoria do Poder de molde a estabelecer uma agenda, e em função dela determinar o enquadramento de um debate. Já que a capacidade de gerar preferências e identidades – sobretudo num espaço lusófono como o nosso – tende a associar-se a recursos de poder intangíveis como uma cultura, uma história, uma língua, uma ideologia, instituições, normas, aspirações e afectos comuns (ou convergentes). É tudo isso que gera a lusofonia. Uma instituição atractiva, mas que tem um problema: ainda está (ou nunca passou) do estado de potência. E a formulação a concretizar – de parte a parte – nesse jogo de espelhos em que se fixam as imagens da Europa e de África será a seguinte: Se se conseguir fazer com que aceitem o que quero, então não terei de forçá-los a fazer aquilo que não querem. Daqui emerge a ideia de novo Império, que substitui a anterior percepção que África tinha do Euromundo (sedimentado pela imagem deixada pelas antigas potências coloniais e as independências traumáticas), e que deverá coincidir com o método de coordenação do exercício do poder.
  • Só que para que esta concepção democrática e pluralista do Poder funcione é necessário que os Cinco adoptem efectivamente os valores supremos da organização da vida em sociedade – democracia, global governance, política externa concertada, promoção da paz e do modelo de desenvolvimento sustentável, rule of law, combate à corrupção e ao nepotismo etc, etc, etc. Doutro modo, terminamos todos este diálogo a falar do regime corrupto de Zé Eduardo dos Santos em Angola: o regime do Zé Dú e as riquezas do Zé Dú enquanto povo, massacrado e estropiado pela guerra que rasteja pelas valetas a toque de próteses e sem uma códea de pão para untar os lábios. Image Hosted by ImageShack.us Ora isto já não é a lusofonia que, por certo, todos os homens de bem desejam.
  • Para sistematizar diria o seguinte. Portugal tem de ter uma política interna e externa compatíveis e mutuamente reforçantes, sinergéticas. JUlgo que a comemoração destas efemérides com meia dúzia de gatos pingados lendo papers mais ou menos obscuros, pouco adiante. Pois além de trazer saudade, lágrimas e fatalismos remetem-nos para as tais nebulosas que nos impedem de ver o futuro tal como ele deve visto. Com clarividência e realismo, e não com saudosismos bacocos. Saudosismos esses que seriam totalmente rejeitados pelo próprio Agostinho da Silva, avesso que era a essas formalidades "autarcais" e outras que tais, cujo o fito é só um: promover um conjunto de personagens numa pequena feira de vaidades, viajar e encontrar um sentido para a vida que preencha muitos desses vazios. É duro dizer isto, mas é a mais pura das verdades, se é que há verdade.
  • Parece-me, portanto, muito mais fiel, autêntica e genuína aquela ideia peripatética e peregrina lançada pelo já referido prof. J. Adelino Maltez de plantar um pinheiro e escrever um texto da sua lavra. Quem conheceu, de facto, Agostinho da Silva terá hoje a certeza certa que o Homem se identifcaria mais com este tipo de simbolismo do que andar a viajar e a promover-se à conta dum filósofo que agora, curiosamente, serve de plataforma para alguns cromos, muitos dos quais nem sequer o conheceram e o que sabem dele cabe, em rigor, numa nota de roda-pé que faria Agostinho rir e sorrir, qui ça, até cair da cadeira em frente da qual tanta vez tive o privilégio de falar com ele.
  • Dito isto, julgo estarmos diante dum conjunto de ideias ou pistas que poderiam ser potenciadas entre Estado e sociedade civil. Ou seja, enquadrada a trajectória da lusofonia e definida a noção de novo império Império estamos, cumulativamente, a responder às perguntas cruciais que hoje atravessam África e, de certo modo, também tocam no calcanhar de Aquiles da velha Europa – hoje paralisada. Que visão queremos ter do futuro (percepção dos riscos) Que missão terá Portugal pela frente Em que valores acredita Como vai realizar esses objectivos E que estratégias serão utilizadas para os alcançar. Visão, missão, valores, objectivos e estratégias. Tudo ingredientes que Agostinho da Silva hoje burilaria com imprevisível mestria. Mas como ele já cá não está, resta-nos apresentar aqui umas ideias estafadas que podem coadjuvar e consolidar uma ideia-projecto de Portugal moderno e desenvolvido que queremos cultivar para as primeiras décadas do séc. XXI. No fundo, responder a esta pequena “bíblia” da competitividade do séc. XXI – é explicitar os caminhos da mudança que a Lusofonia terá de trilhar. É equacionar, a montante, que instrumentos cooperativos devem criar para encorajar essa viragem. A diversidade cultural será, porventura, aqui um factor de tolerância universal que facilitará a mudança. Uma mudança que garanta alimentos, saúde, habitação, energia; educação, segurança, liberdade, trabalho; informação, transportes, comunicação e artes; e democracia, justiça, solidariedade e identidade nacional. Ora, são estes pares de valores e necessidades, afinal, bens públicos comuns, a que a governação global urge dar resposta. Os valores pelos quais Agostinho da Silva sempre se bateu energicamente ao longo da sua vida - recheada de peripécias, ameaças, riscos e oportunidades que ele sempre soube agarrar e partilhar.
  • Além do conhecimento e da sagesse que dele guardo em mim, reconheço nele uma outra qualidade que os homens d'hoje, por serem mais arrogantes, mesquinhos, impreparados e egocêntricos - não têm. Essa qualidade é a Amizade pura e dura, sem manha nem hipocrisia nem vested interest. Também aqui aprendi muito com Agostinho da Silva. E julgo, pela minha modesta postura ao longo desse tão importante convívio, que consegui responder em igual medida. Senão em conhecimento e sagesse, pelo menos fi-lo no plano da Amizade que só alguns sabem cultivar. O resto é paisagem que passa e pasto para vaca manjar.

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