É a cultura que produz a tecnologia" - (Ver link no DN)
A sociedade da informação entrou para a primeira linha da actualidade nacional, através do choque tecnológico. Manuel Castells tem seguido a evolução portuguesa e considera que o país está numa etapa de transição para o que apelida de modelo informacional de desenvolvimento. O modelo da sociedade em rede, baseado na informação, no conhecimento e na organização não hierarquizada. Mas o choque tecnológico faz-se só com... tecnologia?
A resposta do autor de A Galáxia Internet é negativa. "É a cultura que produz a tecnologia", afirma. A prova é a própria existência da Internet, cuja raiz é cultural. "A ideia da livre comunicação, que existia nas universidades americanas dos anos 70, é que gerou este tipo de tecnologia. A ideia de que a Internet nasceu como uma tecnologia para resistir a um ataque nuclear é um disparate", afirma o sociólogo. "Para desenvolver a Internet, foi preciso primeiro pensar numa tecnologia de comunicação sem centro. Os franceses fizerem um modelo com a mesma tecnologia, mas vertical, o Minitel francês. Foi varrido."
O conceito de rede, onde não exitem hierarquias mas "nós" horizontais, todos com o mesmo poder, é a essência da Internet. Para Castells, não se trata apenas de um modelo tecnológico. Também as sociedades evoluem para uma organização em rede, a partir do momento em que dispuseram de uma tecnologia de comunicação horizontal, a Internet.
Os Estados Unidos e a Finlândia são exemplos de países que deram o salto para a sociedade em rede. Representam, respectivamente, um modelo liberal e um modelo social- -democrata, europeu. Castells considera-os incompatíveis.
Para o sociólogo, o sector público não é um travão, mas um motor, que não dispensa, naturalmente, o sector privado. "A diferença é que, de um lado, há apenas o modelo empresarial e no outro é o Governo que primeiro cria condições para a inovação e garante que os benefícios são redistribuídos por toda a sociedade. Um sistema de segurança social não detém a inovação", explica.
"Toda a Europa tem de integrar o modelo social europeu no modelo empresarial. A forma como a sociedade americana funciona não é transponível para a Europa. Não se pode tocar no Estado social. Podemos mudá-lo e torná-lo menos burocrático, mas só isso. Não se pode trazer Silicon Valley para a Europa. A forma de entrar na sociedade em rede depende de cada país".
Castells dá o exemplo do Chile, que aplica as novas tecnologias em produtos tradicionais. "Não se trata de deixar de produzir têxteis para fazer produtos tecnológicos", explica.
No caso português (ou da Catalunha), a chave passa pela educação.
"Portugal tem um contraste entre um sector pequeno muito moderno, em termos culturais, tecnológicos e de competividade. Mas a maioria não está só na idade industrial, mas mesmo numa sociedade agrária. O mais importante na sociedade informacional é a educação. Temos uma população não educada. É necessário mudar isso para viver numa sociedade em rede", afirma Castells.
No plano económico, " a questão central é como a tecnologia e novas formas de gestão se irão difundir pelas pequenas e médias companhias. Depois, há as universidades, que em Portugal ou Espanha ou na Europa não estão adequadas aos novos tempos e têm programas muito burocráticos. A educação secundária é melhor na Europa do que nos EUA, mas a rigidez institucional da universidade é enorme. Está a melhorar, mas não o suficiente, perante a velocidade da mudança."
Manuel Castells sublinha a importância do empreendedorismo no desenvolvimento da Internet. Mas é um crítico da Microsft, por esta ter "uma política monopolista do software". Para Castells, a empresa de Seattle "é um monopólio que tem uma tecnologia medíocre, que bloqueou a inovação. Foi condenada nos EUA, foi multada pela Comissão Europeia... Gates é um génio comercial, mas só isso".
O sociólogo defende o software de fonte aberta, isto é, programas cujo código-fonte é público e pode ser alterado online. Esta prática, que permite manter a "biodiversidade na Internet", é rejeitada pela Microsoft, que fecha os códigos. Por isso, afirma Castells, "a Microsoft é indirectamente responsável pelos vírus na Internet. Como são fechados, um mesmo vírus replica-se em todos os outros programas iguais."
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Breve reflexão a propósito da teoria das redes e sua incidência na configuração e função social, económica e política do Estado no séc. XXI.
O Estado-rede e a globalização feliz
Faz hoje sentido dizer que as raízes do Estado já não estão na nação, existem na escala global; os governos descobrem que o Estado desenraizado que gerem já não lhes pertence, nem ao povo; e as origens das suas regras são multilocais e policêntricas.
Enquanto uns falam em Planos Tecnológicos, outros repensam o papel do Estado, agora como uma teia mundial de práticas, sem um centro. A informação assume o vector primordial de desenvolvimento. Pois as sociedades que têm maior potencial de modernização são as que a utilizam de forma intensiva, reorganizando a produção e os padrões de vida. O Estado fica assim associado ao modo informacional do desenvolvimento, também gerador de desigualdades, já que nem todos os grupos sociais têm à sua mercê as mesmas ferramentas e skills para se adaptarem às novas condições da globalização. Daqui decorre a dualização social, estruturada em função do conhecimento e da capacidade integrativa na malha informacional.
Mas qual é a vantagem da tecnologia na política? Miniaturizar equipamentos com capacidade de tratamento rápido de informação, integrando-a em redes de valor que abrem janelas de oportunidade para uma reformulação dos formatos organizativos. Tais redes cooperativas são assimiladas a micro-unidades com grande flexibilidade. Ora é aqui que o Estado deve investir, uma vez que os dispositivos tecnológicos disponíveis controlam o tempo e o espaço acelerando reformas que potenciam rendimentos crescentes. A dificuldade está em conceber políticas unificadas para espaços fragmentados, com expectativas sociais segmentadas consoante a escala seja global ou local.
É assim que o Estado deve ser equacionado: numa dinâmica de fluxos de crescimento continuado. Criando espaços globais onde existiam territórios e o clássico conflito social se diluiu. Agora existe só o sistema capitalista global onde os fluxos do poder são substituídos pelo poder dos fluxos. E o real é tratado em função de códigos e contextos simbólicos digitalizados susceptíveis de serem transmitidos pelos fluxos. É assim que Estado (empresas e pessoas) estão submetidos à simultaneidade do real, à rede de significados do hipertexto cujos acontecimentos remetem as leituras de uns para outros, de modo a que essa rede cruzada se reforce mutuamente.
O Estado-rede contrasta assim com a hierarquia militar ou a família patriarcal. Impedindo o Leviatão de legislar as regras de comunicação e o modo de transmissão dos seus conteúdos. O que choca as concepções tradicionais do poder político que se confronta com tal evolução, pois perdeu a sua prerrogativa de ser o emissor único das mensagens que fabricava junto dos eleitorados.
Qual é, então, o desafio? Evitar que o Estado utilize os indicadores de informação, digitalizando o real em função do seu ciclo eleitoral. Hoje todos recebemos informação ao mesmo tempo, o que pode conduzir a comportamentos de crescimento como de destruição. O carrossel do mercado bolsista é um exemplo dessa ambivalência.
Só haverá escapatória para o Estado se entroncar na globalização feliz, evitando a generalização da exclusão social e a perda de potencialidade de crescimento contidas na sociedade da informação. Para ser sustentável terá de ser ao mesmo tempo uma sociedade educativa e competitiva, gerando um novo tipo de responsabilidade política e capacidade para acrescentar valor às pessoas, recorrendo ao risco e à inovação para gerir a turbulência dos fluxos. Navegar é preciso, como diria Fernando Pessoa..
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