Política à portuguesa. O jogo da mala..
- in EXPRESSO, 3 de Dez./2005:
ANTÓNIO Preto, deputado e líder do PSD-Lisboa, acaba de ser acusado pelo Ministério Público no processo em que foi investigada a origem dos seus rendimentos e o destino de avultadas quantias de dinheiro em notas, que recebeu em malas, de um empresário de Lisboa. Segundo o EXPRESSO apurou, Preto é acusado do crime de fraude fiscal, não tendo sido possível saber se se mantiveram as acusações de corrupção activa, branqueamento de capitais e tráfico de influências que deram origem às investigações. »
A política lusa está minada. É óbvio que não me vou referir aqui em concreto sobre este caso, de que nem disponho informação, nem de competência técno-jurídico-fiscal para tanto. Nem sequer me apetece. O que aqui fazemos é um comentário na fronteira do ético com o político, ou do politológico com o "moralógico".
E perante isto que dizer, senão - Espelho meu, espelho meu, existe algum político mais politicamente correcto do que eu??? Esta caricatura supõe uma reflexão que remete para a consciência dos políticos, e da globalidade dos portugueses - que entendem, e por vezes bem, que o Estado não é uma pessoa de bem em matéria fiscal e de equidade social. E, portanto, mesmo entre o escol dirigente, de entre aqueles que só têm preparação e expressão na organização eleitoraleira e em arregimentar vontades e falsos consensos, nesta podridão em que vegeta a política lusa, - há que saber como melhor defraudar o Estado, não raro para efeitos de enriquecimento pessoal. Desconheço se é o caso com aquele exemplo supra-referido que faz manchete no Expresso de hoje.
Mas a reflexão do espelho é aquela, além da da Justiça dos homens que é semprte injusta - como sabemos - que só diz respeito ao próprio e ao aperelho de Justiça, apesar do espelho nunca responder, especialmente nunca discorda e a imagem que devolve é sempre prazenteira e cómoda com aquilo que o autor dela quer ver e/ou ouvir, apesar dos espelhos também não falarem.
Portanto, o espelho é sempre - nestas ocasiões - o eterno cúmplice das mais fantásticas e rocambulescas comparações da política à portuguesa, como diria o arqº José António Saraiva (director do Expresso) - cuja racionalidade aqui por vezes enfatizamos.
Julgo, porém, que neste e em muitos outros casos conexos ou congéneres - o espelho não reflecte o sujeito, é o sujeito que reflecte o espelho, num jogo do impossível, mas em que, em todo o caso, fica uma grotesca paródia entre o jogo da mala (que faz lembrar os programas de rádio do benfiquista António Sala), o jogo do gato e do rato, do cão e do gato, do lobo-mau e do capuchinho vermelho.. Ora, é este eco do "eu" que alguns arguídos terão de suportar - quer para serem futuramente condenados, quer para serem absolvidos.
Aquilo que nós estamos a assistir na democracia e na Justiça em Portugal, é uma produção banal e frouxa de acusações débeis que carecem de melhor prova, para serem mais sustentáveis e credíveis. Não podemos - semanalmente - assistir a este bacanal de acusações e de escapadelas à Justiça sem saber quem é quem nesta paródia justicialista de fim-de-semana - em que quem faz prova são mais os jornais do que os tribunais.. Creio, pois, que o objectivo do aparelho de Justiça - neste e em todos os outros casos em que exista fundamento para deduzir acusação - não é produzir umas declaraçõezitas imberbes para inglês ver e alimentar a jornalada de week-end - que faz negócio à pala destes cromos da política à portuguesa.
Este tipo de notícias, sem as querer pessoalizar no deputado A ou no deputedo B - jamais deverão servir para convidar o leitor mais sério e estruturado, a um facilitismo de leitura que já atordoa no jornalismo nacional. Raramente, este tipo de acusações tem consequências... Tudo isso são tiros de pólvora seca, e já começa a ser tempo de a Justiça se credibilizar aos olhos da opinião pública. Como? Produzindo um sistema de prova de qualidade, sem falhas, fiável e consistente. Depois, todo o processo será mais estruturado e celere. E a acusação mais justa, transparente e racional.
Não podemos é viver um sistema de permanente convite à ignorância social, à construção mitificada de que o político A ou o político B, o deputado A ou o deputedo B - sejam umas bestas ou uns santos. Quando, por vezes não são uma coisa nem outra, de tão broncos e ígnaros que são na sua natureza.
Sem esse sistema de Justiça fiável e credível nada mais resta aos tugas do que condenar as pessoas ao óbvio. Ou seja, ler o que o que já se sabe, e isto é, manifestamente, pouco, convidando as pessoas à ignorância da questão essencial. Ou seja, saber se a determinada altura os políticos da nossa praça, quaisquer que eles sejam, não obstante tratar-se de meros deputados sem expressão política ou intelectual relevantes para a nação, são ou não são sérios; ou se, ao invés, procuram, de forma sistemática tirar vantagens ilícitas dos cargos que ocupam para afeitos de enriquecimento pessoal ou praticar quaisquer outros actos ilícitos que configurem crime, e que vão desde a pequena, média e alta corrupção na Administração do Estado que envolve decisões, interesses, compra de poder que vão manifestamente contra o chamado interesse público. Que também ninguém bem sabe o que é...
Como cidadão, confesso, ter alguma rejeição contra este tipo de tomadas de posição (pífias) do aparelho judicial que não conduzem a nada, senão arrastar-se no tempo para logo caírem no esquecimento, e, assim a Justiça ficar adiada. E nós, os tugas, crescemos e cimentamos em nós a ideia pela qual a única Justiça viável é aquela que não se faz; a que se adia; a que se esquece; a que se compra; a que se corrompe.. Enfim, a justiça injusta. É esta que deve ser estirpada dos corredores da política em Portugal. Quer esses corredores se encontrem nos Passos Perdidos, numa sede partidária ou ainda numa empresa pública que alberga esses desatinados do poder quando caem em desgraça - após um ciclo de subida às culminâncias do poder.
Ora isto é desvirtuação não só da Justiça como de todo o alicerce democrático que hoje ainda responde pelo nome de Estado de direito, o tal rule of law - de que todos falam mas que ninguém observa.
Já é tempo dos juízes darem o exemplo e mostrarem que são dignos do título que ostentam, até como órgão de soberania. E, já agora, de desenvolverem no espaço público em que operam uma prática mais fiável e eficaz, ajustando melhor a natureza da sua lexis (discurso) para se entender melhor a sua praxis (acção).
Enquanto tal não sucede, só me resta dizer quão lamentável é este nosso tempo - em que o maior jornal/semanário nacional perde o seu tempo com manchetes da tanga - que baralham mais do que esclarecem, e assim, eu digo: que triste espectáculo este em que nós, cidadãos, estamos aprisionados vivendo mais da dramatização simbólica que os jornais nos querem impingir, em lugar do aparelho de Justiça cumprir a sua soberana função, que é a de carrear factos para a prova, julgar os arguídos e depois setenciá-los adequadamente ou absolvê-los, se fôr caso disso.
Até esse dia, direi - the show must go on, por entre malas pretas e luvas brancas e papel com cifrões impressos que nunca se sabe donde vem, para onde vai neste jogo hiper-dramatizado entre juízes e políticos desavindos e pequenas ambições de gente impreparada que subiu às culminâncias da política por ter apenas uma virtude: paciência, muita paciência e sabujice para esperar e aguardar a sua vez. Estes são os arregimentadores de palmas, aqueles que mobilizam e são compensados depois da eleições quando o partido respectivo ganhar o poder e distribui o espólio esbulhado ao povo ígnaro - que não sabe o que fez.
Mas se um dia a nação inquirir o povo acerca do que esses políticos de palmo e meio fizeram pela nação, o polvo talvez responda é o seguinte: eles não fizeram nada pela nação, mas fizeram tudo por si próprios.. É uma espécie de internalização do histórico discurso de J. F. Kennedy feito na década de 60. E alguns até entram pobres e saem ricos; apesar de continuarem a ser aquilo que sempre foram: gente vulgar, intelectualmente pobre e impreparada, mas que teve a tal paciência, muita paciência para subir às tais culminâncias do petit pouvoir ... de que hoje são acusadas...
Pior desmaterialização da política do que esta (ausência de Justiça credível e celere) não existe, creio. E pior ainda é meter moscas sem asas tentando pilotar aviões ultra-sónicos com pessoas lá dentro...
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