Publicidade gratuita & ocultação política

Afinal, como aventámos aqui esta semana, do dr. Kofi sempre vai dar uma ajudinha ao dr. Mário Soares. Mas com que finalidade? Parece que vão falar de problemas de actualidade internacional. Ora para o dr. Annan essas questões remetem para os problemas em África, na Ásia e na América Latina. Problemas ligados aos direitos humanos, à paz e à guerra e conexos. Ou seja, aos que estão estatuídos na Carta da ONU - que o dr. Soares também deve conhecer.. Já para o dr. Soares, a natureza desses mesmos problemas de actualidade internacional remete para outro domínio: o da sua candidatura a Belém. Portanto, há aqui um gap de perspectiva entre a natureza do entendimento sobre o que são problemas de actualidade internacional - entre um e outro. A não ser que falem só de globalização, e, assim, já se pode abarcar tudo, desde as vantagens higiénicas do sabão macaco (também conhecido por sabão azul) até à derrota esmagadora que o prof. Cavaco irá inflingir ao dr. Soares em Janeiro próximo. Entendemos ainda o seguinte: o facto do dr. Kofi vir a Portugal receber um doutoramento honoris causa - só o honra a ele e a nós. Mas reservar um tempo especial na sua agenda para falar a sós com o dr. Soares é uma manifesta desvantagem que distorce a sã competição da política lusa, designadamente para Cavaco Silva que, assim, vê o seu tempo de antena relativamente diminuído. Injustamente, é claro. Eu também gostava de ter uma reunião a sós com o dr. Kofi..., mas não tenho. Mesmo que fosse só para elogiar a sua solidariedade para com o sr. dr. M. Soares.. Perante este colete de forças permanente que é a política - pergunto-me qual é o papel do observador ou do analista na contemporaneidade. Pois cada vez mais os factos de interesse comum estão misturados com os interesses privados ou particulares de certos actores políticos que não desistem do perfume afrodisíaco do poder. E no meio desta selva há sempre que não veja o que está em causa, como o dr. Annan - que conhece mal o burgo. O observador dos factos políticos tem também uma preocupação com a humanidade, como o dr. Kofi. Mas depois não se pode deixar enredar em politiquices eleitoraleiras de pessoas e de fundações que estão ao serviço duma eleição presidencial completamente extemporânea, como a do sr. dr. Soares. Feliz ou infelizmente, o analista dos materiais políticos tem cada vez mais de analisar as situações mercadológicas e financeiras do chamado capitalismo integrado, buscando a lógica dos actores envolvidos nesses lances, à luz da teoria dos jogos de Schelling, Rapoport e outros. O observador cuida da casa de toda a humanidade, a Terra, informando sobre os seus múltiplos desdobramentos biopsicosociais, mas em caso algum ele deve deixar que o interesse privado da política se imiscua na esfera do interesse comum. Ora isto só é possível realizar se, no nosso quotidiano, nos debruçarmos racional e cuidadosamente sobre o que a cada momento está em causa. Tal como uma boa empregada doméstica, o analista dos assuntos políticos deve saber arrumar a casa, por vezes desarrumá-la para observar isoladamente cada um dos fenómenos, para depois voltar a arrumar tudo de novo, em ordem a ver claramente o conjunto dos factos e a compreender a sua racionalidade sistémica. Tudo isto sem nunca deixar de varrer os cadáveres do armário, abrir o sótão e ver o que está no porão, para assim deixar entrar a luz. Aquilo que o dr. Soares consegue com este contacto com o dr. Kofi é capitalizar mais umas quotas de prestígio pessoal para a sua vidinha. Mas será que isso lhe irá render votos para as presidenciais??? Cremos que não. E este seu azáfama de querer ir a todo o lado, e estar com os grandes deste mundo - só o diminui. Porque não vai o dr. Soares até à Cova da Moura exercer o seu majistério de influência a fim de dimuir a conflitualidade social daquele bairro difícil? Ou ao Bairo das Marianas na linha do Estoril ou ao bairro do fim do Mundo?? Poderá até colocar a sua Fundação ao serviço daquela gente, para os educar e os integrar na sociedade portuguesa. Afinal, foi buscar ao erário público cerca de 200.000 mil contos para a sua constituição... Terá sido isto legítimo, ou mesmo legal... Em suma: a eficácia de ocultação em política pode resultar algumas vezes, escondendo a consideração global de alguns problemas e dinâmicas socio-económicas que atrasam o desenvolvimento de Portugal. Isto tem sido feito para servir interesses particularistas da política e dos políticos lusos. A descolonização do dr. Soares e do dr. Almeida foi, por exemplo, uma tremenda vergonha. Um nunca conheceu África nem sabia onde ficava o continente; o outro tinha demasiados negócios lá. Assim, o desfecho só poderia ter sido um: o desastre. Bem sei que se deu a internacionalização do conflito e dos problemas africanos com a entrada en cena dos EUA e dos Russos (então) soviéticos. Mas havia algum espaço de manobra para entregar as colónias e fazer uma descolonização menos trágica para alguns (milhares) de portugueses. Esperemos que o dr. Soares nunca diga de África o que disse o dr. Jaime Gama - com quem teve sempre péssimas relações: é que não gosta de África por causa das moscas... Mas neste caso vertente - de querer capitalizar notoriedade com vista a somar apoios políticos em contexto pré-presidencial - é uma vergonha. Representa o pior da sofreguidão que a política pode ter. É nestes casos que a ocultação é deliberada e procurada por razões que se prendem exclusivamente com a promoção pessoal e de expectativas políticas positivas. Será que o dr. Soares não entende que "agente" - deste lado da barricada - percebe isto muito melhor do que ele?! Não haverá amigo ou assessor de Belém - em nome dos old times - que lhe explique esta articulação primária da política? Parece que Não!! Ou se existe também já se incompatibilizaram com ele.

Ora isto só acentua os factores de crise do nosso sistema político. Pois coloca em cena quem (já) não é de cena, o que só envelhece a nossa democracia e agrava os factores de bloqueio e de nevoeiro político que nos tolhe a todos. Pode-se também admitir que é essa ocultação deliberada da forma de fazer política à portuguesa, que assegura a manutenção dos mesmos protagonistas na nossa vida pública impedindo, assim, a sã rotatividade e circulação de políticos e permear a emergência de novos valores no espaço público. Ora é essa longevidade funcional muito pouco saudável que torna esses candidatos , a exemplo do dr. Soares, demasiado dependentes do seu passado, dificultando-lhe até uma observação objectiva e um inventário rigoroso do que tem sido a evolução recente da economia e da sociedade portuguesas - que têm directa ou indirectamente - dirigido. Referimos acima que o analista tem, sem nunca perder a sua lucidez, de varrer os cadáveres do armário, abrir o sótão e limpar o porão para deixar entrar luz. Mas é nesse preciso momento que a patroa não vai gostar. Ou será que vai? Temos a resposta em Janeiro de 2006...