Histórias de aculturação...
Ruisinho:
- Não tenho a pretensão de te ensinar seja o que for. Leste muito mais, escreveste muito mais, pensaste e reflectiste muito mais do que eu. A qualidade da tua massa cinzenta fez o resto, no teu caso, o doutor. Mas eu vivi mais, não só mais anos, que obviamente vivi e que por si só podem nada adiantar, mas passei por situações pelas quais não tiveste possibilidade de passar - o que me permite, não ensinar-te, mas contar-te histórias. Por isso, o título deste mail é: histórias de aculturação, e não fenómenos de aculturação.
- Quando os portugueses chegaram a África iniciaram uma convivência com povos que possuíam uma cultura diferente da sua, na língua, nos usos e nos costumes e como nenhum deles era formado em antropologia fizeram, muitas vezes, interpretações erradas do verdadeiro significado dos comportamentos, uma vez que os observavam através das lentes da sua própria cultura sem que disso se apercebessem. Embora a tendência fosse no sentido de se imporem os comportamentos que pertenciam ao povo dominante, que exercia a autoridade e impunha as leis e os seus interesses. Na prática, e no que respeita à colonização portuguesa, a assimilação foi muito forte por parte dos nossos compatriotas. Porque estavam em minoria, porque a maior parte deles eram pessoas oriundas do nosso meio rural, pouco ou nada instruídas, também elas simples nas suas maneiras de viver e que, na convivência com os outros, procuravam adaptar-se copiando primeiro e assimilando depois os comportamentos que lhes traziam vantagens, o que era natural se pensarmos que o teatro dessas relações era um continente que lhes era estranho, hostil e onde o primeiro objectivo era sobreviver cumprindo a regra: em Roma sê romano. Mas também, por vezes, em sentido contrário, os “romanos” copiaram e adoptaram comportamentos, ou, simplesmente, tiques que igualmente serviam as suas conveniências. Esta é a história:
- -Algures, no norte de Angola, em tempos que já lá vão, um determinado habitante de uma aldeia, homem ainda novo e bem parecido da etnia dos kimbundos, foi obrigado a comparecer perante a autoridade administrativa - acusado pelas pessoas de toda a vizinhança de perseguir (e ao que diziam as más línguas com algum sucesso), as mulheres casadas. Ouviu em silêncio e de forma respeitosa as acusações que lhe eram dirigidas e em seguida, dirigindo-se ao representante da autoridade portuguesa - disse-lhe com um olhar cúmplice, com a perna direita ligeiramente avançada, pésinho a bater e ar xingão: sabe…., senhor Administrador nós… os latinos…
- Continuas sendo uma boa fonte inspiradora, uma profícua bibliografia sem sair de casa, especialmente em matéria africana. De facto, hoje a inspiração não é muita. Da minha parte, é claro. Mas a tua "estória" suscitou-me imediatamente um pensamento. Ou melhor, uma imagem. Que se pôs logo em movimento diante dos meus olhos. Após aquilatar a atitude desse moinante dos trópicos só me lembrava do Zé-Zé Camarinhas, esse D. Juan algarvio que já vai numa colecção infernal, contando milhares e milhares conquistas... Há quem coleccione livros na Marmeleira, o Zé-Zé Camarinhas colecciona conquistas femininas. E a Europa vai coleccionando NÃO aos referendos ao novo tratado da UE... Nós, por cá, dizemos SIM ao défice de 7%. Infra podemos vê-lo em grande forma, quem sabe já em fase de estágio para mais uma estória de aculturação... Pergunto: descontadas as raças e as cores - que são sempre ilusórias - não estaremos nós a falar da mesma pessoa?!?!
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