Uma 2ª leitura da obra Tradição & Revolução...
Uma leitura mais simplista e plebeia da obra Tradição & Revolução, especialmente na sua vertente mais contemporânea, poderia apontar na seguinte direcção. Com efeito, o Estado da nação está numa lástima. Todos o sabemos, e os indicadores económicos, sociais e políticos não o desmentem.
Mas gostaria de deixar aqui um desafio ao cyber-leitor. Não só porque sou amigo do autor da obra, José Adelino Maltez, mas porque a dimensão e a sua excepcional qualidade intelectual e epistemológica merecem toda a atenção por parte da comunidade científica que ainda estuda, pensa e reflecte. Fazendo-o descomprometidamente e sem falsos subterfúgios, ou seja, com lealdade mas sem subserviência e com massa crítica.
Dito isto, imagine o leitor que vai na rua, tropeça e dá um valente trambolhão. Com a cara partida, o nariz a sangrar e os braços esfolados vê-se embrulhado num livro - chamado Tradição e Revolução. Imagine que desconhece o autor, apenas sabe tratar-se de uma obra que o fez tropeçar e partir a cara. Ah, sabe também que a dita obra é composta por 2 Vols.
Chega ao pé dos seus amigos, já reparado, de cara, nariz e braços, e diz para quem o ouve: temos de tentar ler, compreender e interpretar este calhamaço de quase 800 págs. Temos, pois, de descobrir a que período histórico corresponde e quem, de facto, é o seu autor. Nesse exercício ficaríamos, assim, a saber quem teve a proeza de escrever a obra e também de quem nos fez cair. Sempre poderíamos pedir contas ao autor...
Imagine depois, caro leitor, mesmo que não tenha dado um trambolhão, que o mesmo livro lhe chega às mãos sem capa, nem páginas de entrada. Nada que pudesse identificá-lo. Apenas o miolo do texto, com as suas narrativas curtas, incisivas e cortantes sobre os factos do nosso tempo e fauna política que anima este nosso tempo que passa.
Que pensaríamos do que lá se diz?! Como reagiríamos à sua metodologia, apresentação, tamanho da letra, argumentação, acção narrativa e omissões na área da economia & finanças e também da década de 60, pois como diz o prof. Marcelo - que gosta muito de Kennedy e de Nikita, há aí uma lacuna e é pena. Por mim, creio que o autor não avançou mais nessa direcção para evitar a crise dos mísseis de Cuba que podia fazer explodir o planeta, mesmo que retrospectivamente... Ou seja, pede-se ao cyber-leitor que não cehgou a dar o tal trambolhão, porque o livro foi-lhe parar às mãos, em que medida é que o corpo do texto se adequa - realísticamente - ao retrato do país que temos.
E, já agora, em que medida e extensão é que esse contributo teórico e epistemológico, pode intensificar e ampliar a discussão salutar do país político - que precisa de fazer reformas sobre reformas a fim de conseguir o tal apregoado melhorismo na produtividade, na competitividade e, em suma, na auto-estima nacional.
Será que esses dois Vols. - que lhe podiam ter causado imensos trambulhões, representam um sentimento generalizado do homem médio português!? Será que o diagnóstico do autor (imagináriamente desconhecido) coincide com aquele que o leitor faz do mesmo livro?! O mesmo se diga da imprensa, que não gosta nada de dar trambolhões, apesar de andar sempre a cair. Especial após do 5 poder, a blogosfera, a passar a controlar quando não a corrigir e desactualizar...
Após alguma reflexão arriscamos aqui a ser fieis interpretes desse tal povão que faz ganhar eleições e desequilibrar o prato da balança política para as oposições que um dia serão poder para, de seguida, voltar a ser oposição neste ciclo infernal que é a vida.
Desse modo, todos reconheceremos a depressão generalizada por que passamos. Desemprego, falta de projecto nacional verdadeiramente mobilizador, baixos índices de produtividade e o mais que nos afunda nas estatísticas da ONU, OCDE e nos demais eurobarómetros que nos tiram a temperatura.
É como se o país, na sua globalidade, estivesse no fundo do poço e com as paredes barradas de maneiga impossibilitando-nos a escalada para ver a luz do sol. Daí a imagem de resignação e desesperança - para não dizer mágoa - que poderíamos ler nessa tal obra monumental que, pelo efeito do trambolhão, nos pode fazer acordar a todos para a necessidade de uma verdadeira e genuína mudança de hábitos, costumes e mentalidades. Em suma: preciamos, afinal, de conversar... Ai se o Guterres ouvi isto..., com a propensão que tem para o diálogo..
Vai daí, a tal obra - ainda sem sabermos quem é o autor - permite-nos antecipar os problemas, em lugar de responder a eles, de forma relapsa e reactiva, como a daquele bombeiro que apaga o fogo depois da casa ter ardido com o bé-bé (carbonizado) lá dentro. Poderá ser este o diagnóstico que decorre da leitura da Tradição & Revolução? Que gere imagens, narrativas, transforma a realidade em ideias e o inverso, e adianta causas da decadência mas também propõe alguns motivos de esperança nos amanhãs que (podem) cantar, se a economia deixar, é claro. Aliás, a lacuna ou desinteresse pela economia só revela uma coisa: o desprezo pelo dinheiro...
Não sei, contudo, se o autor acompanha aqui a opinião que sobre a matéria tem Woody Allen... Um dia perguntaram-lhe o que pensava do $$$$. Ao que este respondeu que preferia ser rico a ser pobre. Ante de mais nada por motivos financeiros...
Assim sendo, o que a obra deixa e agita nas nossas cabeças, qui ça por efeito do trambolhão, é o tal princeps de que o autor nos fala, o tal comando psico-normativo que nos impele para a conversa, para o diálogo, para a construção de algo novo, que ainda não sabemos bem o que é. Mas que sabemos existir. Sob pena de (continuarmos) a estragar tudo, ou seja, a perpetuar o ambiente de facilitismo, cunhismo, compradismo, de mera gestão das imagens em desfavor dos conteúdos, de subserviência aos corporativismos sem curar com a verdadeira definição de um rumo, de uma estratégia sustentável para o país no futuro próximo.
Não podemos, pois, e esta será outra ilação que se extrai da obra Tradição e Revolução, continuar a adorar as quintas das celebridades. Ou se o fizermos será só por 5min., não mais, porque isso basta para ver a figura que fazemos se não inovarmos nos outros domínios da sociedade, da cultura, da ciência e da política.
Não podemos continuar a alienar as massas dando-lhe mais futebol, ou melhor, futebolítica de que certos presidentes de Câmara são exímios - devendo até a sua artificial carreira política a esse expediente mercadológico que tem cotação elevada no mercado político. Não podemos, por extensão, continuar a satisfazer os militares comprando-lhes mais uns velhos submarinos para eles brincarem aos tiros sub-aquáticos; nem inventar umas pontes para agradar aos patos bravos da construção civil que financiam os partidos políticos e acabam sempre a obras pelo triplo do valor inicialmente estimado.
Da leitura da obra resulta, ou pode resultar, uma terrível frustração que se sobrepõe ao reconhecimento pela via do mérito. O problema é que, gradualmente, os militares, as massas ígnaras, os patos bravos e o conjunto das pequenas e grandes corporações que tocam as cordas do Estado - directa ou indirectamente - acabam por estribuchar e fazer os seus diktats, impôr os seus ultimatos até que o Estado, por medo, estremece e acaba por ceder. E cede em prejuízo da tal imagem de projecto nacional que a Obra busca e que eu - ainda não sei se encontrou.
O país está falido, o sintoma do mal português é amplo e complexo, a inveja é terrível e bloqueante e, assim, confesso, o trabalho não fica facilitado. Mesmo que os historiadores encartados se reorganizem no velho sindicato para barrar a entrada no mercado das ideias duma nova obra - que ameaça tudo e todos. É, pois, o efeito restolho que está aqui em equação, e por vezes é necessário conquistar a sociedade civil para conquistar a Academia. Enfim, é a tal luta de fora para dentro, com citações de Chardin - que vemos repetidas mas não deixam de ser indispensáveis aos novos príncipes que se estãao a impôr na produção e gestão do conhecimento.
A questão que deixo é a seguinte: será que a manteiga das paredes do poço secam e permitem que as pessoas que lá estão em baixo possam fazer essa penosa escalada?
Bem sei que a função de uma obra de carácter intelectual não é a de tirar pessoas dum poço escuro. Mas julgo, neste caso, mesmo com o trambolhão da queda, e com a identidade do autor (já) descoberta, que não renega os seus antepassados, até os elogia publicamente num grito dos deuses, um livro pode constituir um eficiente instrumento de salvação de 10 milhões de portugueses. Pois mesmo que as cordas se partam na tentativa da salvação - sempre se poderá encher o poço de água até que ele transborde de novo e as pessoas se salvem...
- Nesta dinâmica do tempo que passa sempre podemos ver um lógica de desesperança como uma lógica de esperança. Depende das armas que tivermos para sair do poço. Mas nas coisas políticas, como nos materiais politológicos, o que conta (mais) é a imaginação e a criatividade com que uma nação consegue esboçar um projecto nacional e o pôr em prática. E isso por vezes exige de nós a tal ductilidade que era exigida aos diplomatas do séc. XVIII - que perante guerras iminentes tinham de agir à Talleyrand - com extrema flexibilidade sem, contudo, abdicar do essencial. E o essencial por vezes consiste em sabermos dobrar os materiais, sem os partir...
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