segunda-feira

O Factor "C" - de Cultura...

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  • “C” de Cultura. Trabalhar na produção de racionalidade nas relações sociais, económicas e políticas é estabelecer um padrão cultural forte que irá produzir futuro, balizando o presente e reinterpretando o passado. Elaborando hipóteses matematicamente sociais, refutações que avançam como quem navega por mares desconhecidos, mas com a preocupação de registar sinais relevantes, que outros podem percorrer, com outras rotas.
  • Tal pluralidade de sentidos reflecte-se nos trabalhos de Gonçalo Tavares (GT), uma revelação literária lusa sufragado pela crítica: O Senhor Brecht, O Senhor Henri (casam com o teatro) e animam o público. Sem ser crítico literário nem ter tais pretensões, confesso que essas “estórias” curtas, incisivas e desconcertantes, estimulam o intelecto e apelam, integradamente, para o legado (anarquista) de F. Pessoa e O’Neill e para o conhecimento (crítico) da história, da filosofia, da arte.
  • Automaticamente, e salvaguardadas as devidas distâncias de densidade e de maturidade filosófica, lembrei-me das 101 Histórias Zen de Senzaki e Reps, d’O Principezinho de Exupery, da Filosofia para principiantes de Osborne e outros como O Riso do Sonâmbulo de Maunoury e Tertúlia de Mentirosos de Carrière. Contos de humor e sabedoria do Mundo inteiro. Cada história é uma vida, um mundo. Sempre com uma fina ironia que, como diria Eça, é o sorriso da razão. “Estórias” trágicas, mais reais do que a própria realidade. Com a razão translúcida, contagiada pelo absinto, ou tinto do Martinho da Arcada, para onde Pessoa ia calibrar os raciocínios.
  • Mas o que busco nessas narrativas, com uma geometria filosófica que faz avançar e recuar o pensamento, é um certo retrato da realidade sociopolítica do nosso tempo. Vejamos um ex., d’O Senhor Bretcht (p. 14): “O desempregado com filhos. Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão. Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou. Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego. Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta. Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou. Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego. Disseram-lhe; só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça. Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou”.
  • Além da graça (trágica), convém perceber que o mundo está hoje de cabeça cortada. Recupero 3 histórias para ilustrar essa bomba-relógio, mostrando como a derrota de uns e a vitória de outros pode sinalizar a desgraça de todos. O Emprego do Tempo, de L. Cantet conta a história de um ex-quadro que durante anos ocultou à família que tinha sido despedido, apesar de manter a ilusão do status e do ordenado que já não tinha. Fazia do habitáculo do seu carro a sua residência. Simula reuniões e negócios. Chega até a ludibriar amigos recebendo deles dinheiro para supostas aplicações financeiras na bolsa de Moscovo.
  • A 2ª situação retrata a vida de um operário da construção naval de Vigo que partilha com 4 companheiros o infortúnio do desemprego: um é imigrante do Leste, onde fora astronauta; o outro bebe para esquecer o desemprego e o abandono da mulher; o outro ainda tem mulher, mas para sua vergonha, ela trabalha; e o último passa o dia em entrevistas de emprego. Buscando a juventude nas roupas e na tinta preta para o cabelo. Diria: os pobres têm tanto azar que quando chove sopa dos céus só têm garfos nas mãos.
  • A Rede, com a bela Sandra Bullock, relata a vida duma analista informática que se vê envolvida numa conspiração por alguém lhe ter atribuído uma falsa identidade e um registo criminal estranho: sem dinheiro e identificação terá de combater as forças do mal.
Image Hosted by ImageShack.us A bela Sandra Bullock está na cama, a olhar para si... Mas ela está só a representar...
  • Qualquer uma destas histórias neo-realistas sinalizam a globalização infeliz do nosso tempo. Reproduzem viagens ao íntimo do desespero de milhões de pessoas. É assim que leio as encenações de GT na cosmopolita biblioteca de Carnaxide, eficientemente coordenada por Gabriela Cruz, coadjuvada por Júlio Raposo, Sofia Raminhos, Sofia Janeca e Isabel Machado.
  • Impressiona ver como o trabalho consome a vida das pessoas, sobretudo porque o homem foi feito para criar, não para trabalhar, como diria Agostinho da Silva. Eis a jaula da nossa estranha existência que mata lentamente…
  • Mas a velocidade pode mudar... se não aguentarmos a força da gravidade daquele calhau...
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