sexta-feira

Tradição & Revolução – Uma biografia do Portugal Político do séc. XIX ao XXI - por José Adelino MALTEZ

Image Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.us Tradição & RevoluçãoUma biografia do Portugal Político:
  • De tempos a tempos, o Portugal que estuda, pensa e reflecte acorda e faz obra. Mas esses monumentos não nascem do “pé para a mão”: são filhos em gestação que, por vezes, demoram décadas a educar antes de ver a luz do dia. Tradição e Revolução (da Tribuna da História) é um desses excepcionais exemplos. Resultado de um cross-fertilization temperado por uma poderosa imaginação sociológica, a obra denuncia um cruzamento ímpar de saberes: direito político, história das instituições, filosofia do direito e do Estado, sociologia, história da cultura, enfim, comprimindo os sécs. XIX-XXI, o autor dá-nos, simultaneamente, a fotografia e o filme do tempo que passa.
  • Sendo impossível sintetizar pode-se, contudo, registar parte desse trajecto biográfico do Portugal contemporâneo: com o mito da modernização (acabando no fantasma do Portugal Velho e do politically correct); dos clubes fechados de políticos que se “endogamizam”; com os solavancos da política externa e a impotência de gerar uma alternativa à União Europeia (apesar da hiper-densidade plurissecular lusíada); com a exiguidade e a falta de auto-estima, ideias e de capitais – sempre com mais timoneiros do que soldados; com restos de absolutismo e uns ameaços de democracia; com os invisíveis fios do poder a comandar os políticos-fantoches (tão bem descritos por Eça); com a indefinição da direita e da esquerda (prostituindo-se uma à outra consoante as conveniências); com muita conspiração (cabalizada) e pouca criação política.
  • Parece-nos, pois, que o autor confere mais importância ao metabolismo político que acompanha o tempo que passa (quase 200 anos), do que à morfologia. I.é, prioriza o estudo dos tipos funcionais de governação em desfavor da foto-estática da normatividade do Direito, mais sensível ao estudo das regras de organização do poder político, que secundariza o registo da sua dinâmica, dos modelos em luta e das práticas do exercício do poder e dos valores que dinamizam o modelo do politólogo. Ademais, o pensamento político do Portugal de hoje mitiga-se com o do séc. XIX, o deserto de ideias, a válvula de escape da emigração, as duas guerras mundiais, a partidocracia, a dualidade da capital vs província, os micropoderes e o clientelismo, os vícios privados, a degenerescência do sistema representativo e do demo-liberalismo, são tão visíveis hoje como ontem. Daí a desesperança do autor, que partilhamos.
  • Além da metodologia atípica da obra (mitigando ensaio, manual e diccionário) que “fura” completamente os esquemas ultrapassados da historiografia instalada: de Oliveira Marques a Joel Serrão passando por P. Soares Martinez, Magalhães Godinho, José Mattoso, Jaime Cortesão o autor aproveita o saber-cruzado para interpretar o interior da acção política colocando-se mentalmente na posição dos sujeitos. Daí resultam alguns tipos ideais sistematizados nas seguintes categorias: sociedades secretas, compadrismo, constitucionalite, centralização, compra de poder, má fama dos políticos, caciquismo.
  • Tudo para explicar o (E)stado a que chegámos. Com corsi e ricorsi, navegando entre os séculos, o autor, tão institucional quanto rebelde, mas sempre intelectualmente estimulante, fornece ao leitor uma coerência temática ímpar em Portugal. Tal a ruptura epistemológica que, doravante, poder-se-á falar no antes e no depois da Tradição e Revolução (Vols. I e II), que constituem instrumentos lógicos e heurísticos que preenchem uma lacuna na área em Portugal.
  • Com este monumento a historiografia portuguesa “ressente-se”. Especialmente, porque se quebra o mito de que o historiador “não encartado” não pode “fazer ciência histórica”. Ora, este tertium genius vem provar que a história do tempo que passa já não é só da História de alguns historiadores, mas é da Política, do Direito, da Filosofia, da Sociologia, enfim, da reflexão dos que têm a capacidade invulgar de apreender o real em desfavor do respectivo arranjo constitucional ou merameente fáctico, decorrente da confecção tradicional que os velhos historiadores fazem dos eventos que coleccionam...
  • No fundo, a singularidade da obra reside na sua abordagem, mais dinâmica (pelo processus) e mais realista (pelos movimentos/correntes/grupos) tornando mais previsível, doravante, o deslocamento do campo de observação dos elementos institucionais para os elementos psicológicos do comportamento político.
  • Eis um conjunto válido de razões, corroboradas pelo brilhantismo de Marcelo Rebelo de Sousa que apresentou a obra, que nos obriga a todos a estar gratos ao autor, José Adelino Maltez.
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