quarta-feira

El orador e o grande demagogo...

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  • Cícero esperou pelos 26 anos de idade para pronunciar o seu 1º grande discurso. Demóstenes tornou-se conhecido aos 17, quando falou contra os seus tutores (e nenhum deles era Sá Carneiro). Bossuet pronunciou a sua 1ª prédica aos 16 anos. Fénelon estreou-se aos 15. Fox e Pitt Júnior cedo maravilharam o Parlamento pelo fulgor da sua eloquência. Todos estes oradores foram excepcionais, mas nenhum deles afirmou essa condição invulgar rachando cabeças a terceiros.
  • Em todos aqueles magníficos da oratória constava uma elaborada composição discursiva, dinamizada por um improviso a jacto, levando-os a inúmeros triunfos eleitorais. O célebre pregador Bourdaloue, nos momentos de maior inspiração, fechava os olhos, como se essa voluntária e transitória cegueira o ajudasse a reconhecer melhor os fantasmas criados pelo seu espírito.
  • “Manel” Kant, o tal que era certinho com as horas, obrigando os relógios a afinar pelo seu compasso, tinha por costume, ao proferir as suas lições, fazer girar o 1º dos botões do seu fato: um dia, os alunos, sem que o professor notasse, arrancaram-lhe esse botão. Kant, ignorando-o, sobe à cátedra e, ao começar a falar, procura com os dedos o habitual talismã oratório, não o encontra, atrapalha-se, balbucia..
  • Os exemplos podiam multiplicar-se. Vejamos agora outras qualidades que um orador deve ter: vox facilis, magna, beata, flexibilis, firma, dulcis, durabilis, clara, pura. Tudo isto lhe permite fazer uma ideia clara do significado das palavras que se prepara para pronunciar. Representando o seu pensamento antes de saírem da sua boca. O que se pode fazer de 3 maneiras: o falador verbo-auditivo – que murmura as palavras que alguém lhe segredou; o falador verbo-visual – cujas palavras parecem ter sido escritas diante dos seus olhos e que os seus lábios vão pronunciando; e o falador verbo-motor – que só compreende as ideias após as revestir de um movimento para as articular.
  • Uma breve aplicação desta tipificação ao quadro político português, habilita-nos a dizer que Lopes integra o 1º grupo, Guterres, Freitas e Louçã integram o 2º, Jerónimo de Sousa o 3º. O “Paulinho das Feiras”, com a experiência acumulada de “guerrilheiro” do jornalismo moderno, e principal responsável na destruição do cavaquismo, alternará com as três imagens deixando nos portugueses (mais incautos, certamente) um efeito cinestésico: auditivo e visual.
  • Visionando o debate do Portugal SS (Santana & Sócrates), com cronómetros novos, jornalistas que pareciam bonecos de cera prisioneiros do espaço, e luzes que acendiam fora do tempo, num experimentalismo evitável, constatei quão exímias eram as faculdades dos candidatos. Após uma breve incursão aos putativos costumes sexuais integrados na moderna teoria dos boatos, com matriz na imprensa brasileira em trânsito para os tablóides lusos (inaugurando uma nova cooperação luso-brasileira para assassínios de carácter por encomenda), foi surpreendente ver a quantofrenia dos indicadores da economia portuguesa.
  • Aqui me reporto a Lopes por ser, paradoxalmente, o mais “matemático” dos candidatos. Foi surpreendente a forma como aventou milhões e milhões. Sem, contudo, saber ao certo qual é o número de desempregados licenciados em Portugal. Será que sabia quantas empresas fecham por dia? E quantas abrem falência por mês? Em matéria de coordenação política, saberá, porventura, o que disse do Parlamento a sua ministra da (des)Educação? E os mecanismos subtis de neocensura exercidos sobre Marcelo, F. Lima e J. Rodrigues dos Santos? E a guerras fratricidas no seu inner circle dando uma imagem perniciosa para qualquer investidor externo. E a total inversão da política económica, anunciando aos portugueses o paraíso que contrasta, na realidade, com o “inferno”.
  • É esta necessidade de comunicar o pensamento, inerente ao homem, que faz dele, se não houver freio, um animal essencialmente usurpador. Um usurpador de almas, de corpos e bens materiais. E o meio mais eficaz para qualquer usurpador se assenhorear da consciência alheia, especialmente para as massas mais alienadas estreitamente ligadas ao futebol (e a outros fenómenos de massa), que comentadores de bancada aproveitam como trampolim para fazer carreira na “futebolítica”, é fazer aquilo que Lopes vem fazendo: socorrer-se do ardil da palavra e da frase pausada (sem conteúdo), para habilmente se insinuar, e outras vezes lançar farpas violentamente sugestivas com vista a instruir, a persuadir, a comover e até a divertir os espíritos cansados e aborrecidos que fizeram este Portugal.
  • Creio, hoje, que o improviso, como sistema, não pode mais considerar-se recomendável. Falar sobre tudo e todos, sem estudo prévio é, como lembra aquele velho advogado – que se gabava na barra do tribunal: “Eu falo, mas não sei ler nem escrever”.
  • Quando avalio o Portugal político de 2004-05 não posso deixar de recordar os “Dons Quixotes” de Miguel de Cervantes, provavelmente um dos maiores romances de todos os tempos, que hoje proliferam fora das suas páginas, e se tomam demasiado a sério e vão por esses caminhos sinuosos assobiando por aplausos e depois vão sempre contando a sua gesta gloriosa. O problema, é quando essa atitude não se dilui na ilusão transitória e esta vira realidade permanente numa descarada mentira. Bem sei que algumas vezes, porém, e à força de repetirem tanta mentira, acabam por as acreditar também eles, como sucede com os caçadores e pescadores, que chegam a caçar búfalos em coutadas de coelhos e perdizes e pescam candeeiros ainda com a luz acesa, useiros e vezeiros, pródigos em narrar fábulas com aparência de realidade, num permanente jogo de sedução e aventura.
  • É tudo isto que inspira o (ainda) PM de Portugal. Autor de um rosário de lugares comuns, impregnados de sentimentos, que foram desmontados e cantados por Horácio: “Se queres que eu chore, chora também tu”. Julgo, à falta de melhor, que é esta paixão populista ardente que S. Lopes está sempre pronto para apresentar aos auditórios para que fala, procurando criar neles uma comoção de ideias novas, que repete numa vox quente, amarela mas já sem o azul da razão fria e o verde da acção explosiva.
  • Busquei em Quintiliano, Empédocles, Aristóteles e Cícero aquelas contradições, mas em nenhum identifiquei tamanha impreparação, incongruência e até “lata” política. Tudo faz lembrar o Barbeiro de Sevilha, que atingiu o auge quando um gato começou a passear, de um lado para o outro, em pleno palco. Acho que foi isso que faltou. Como não há-de o El orador temer que um gato (fedorento) perturbe a lógica (da batata) da sua eloquência!?
  • Nestas duas tristes narrativas o ciber-leitor poderá identificar duas coisas:
  • Um auditório de gente anónima alienada e anestesiada com o efeito cinestésico das mensagens dos figurantes políticos.
  • A segunda imagem traduz a narrativa do demagogo populista neoliberal que contribui para aquele efeito cinestésico... Mas o leitor será sempre livre de ler o mundo à sua maneira, desde que não incorra nos vícios dos caçadores e dos pescadores...
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