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A Arte que nos dá cabo da cabeça

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Não integrando a minha área de formação académica matricial, a Arte e a Sociologia que trata da sua representação foram domínios supletivos de interesse intelectual que me ajudaram a formar a minha visão do mundo. Daí os meus conhecimentos rudimentares sobre esse sector do conhecimento. Daí os meus limites na discussão do tema. 

Dito isto, que é pouco, o país viu-se envolvido numa guerra de alecrim e manjerona a propósito do que é, ou deve ser, a arte e de que como ela deve ser servida aos vários públicos, maiores e menores, elitistas e mais basistas. 

Quando evocamos a Sociologia da Arte falamos de quê, afinal?! Seguramente, trata-se dum domínio de relações mais ou menos reconhecível, nos seus conteúdos e formas que permitem antever certas leituras dessa mesma arte; e perceber que modos de prazer e/ou interpretação os vários públicos fazem dum determinado espólio, e de que como relacionam isso ao seu autor e à sua representação mais global na sociedade. No fundo, cada artista insere-se numa certa filosofia de actuação, que visa influir na estrutura de poder e de representação social do seu tempo, para alterar os mecanismos de formação daquilo que é a cultura, suas formas de dominação, ideologia, e, por via desse conjunto de representações afirmar a sua linha artística e assegurar uma marca na sociedade do seu tempo. 

É isto, no fundo, que cada artista pretende no seu espaço e no seu tempo, ou seja, ele visa moldar a sua circunstância moldando também culturalmente o mundo do seu tempo. E é assim na literatura, na pintura, nas artes plásticas, sendo que cada uma dessas valências interage mais ou menos com as demais. 

Depois, há certos autores que pela sua natureza são mais apegados à expressão sexual do homem do que a outras esferas de representação humana, como a componente cognitiva ou a outros sinais e símbolos do comportamento e da natureza humana. 

E é esse cariz sexual que pode suscitar maior polémica e que levou à demissão dum responsável do museu de Serralves, após ter alegadamente sido contrariado pela Fundação do mesmo nome que lhe terá imposto condições de visionamento da obra que contemplava imagens chocantes de Mapplethorpe e que só poderiam ser vistas por pessoas maiores de 18 anos. Pouco importa aqui debater esses detalhes em concreto, ou as práticas sexuais sadomasoquistas exigidas pelas peças do seu autor. 

Estamos aqui no domínio puro aplicado da cultura, portanto, num domínio em que é fácil politizar uma questão que é primariamente cultural, i.é., convertê-la numa visão política ou populista do que deve ser e para que serve a arte em dado momento. 

No caso concreto da obra de Robert Mapplethorte, podemos inquirir a Fundação de Serralves e o seu próprio curador neste sentido: conhecendo ambos a natureza dessa obra, como é que ambos a aceitam e depois a condicionam?! Quem aceita uma obra depois arroga-se o direito de restringir ou de excluir o visionamento de certas peças? Então, não será curial que esse papel fique a cargo dos pais ou de encarregados de educação dos jovens menores que frequentam esse espaço (?!)...

Seja como for, há males que vêm por bem, esta polémica obrigou Portugal e os portugueses a discutir o que é a Arte, para que serve e como deve ser vista e em que termos. Cair nesta obrigação intelectual sempre é preferível do que vegetar no mundo do comentário da bola, dos programas pimba ou da valoração em torno das transferências milionárias de sopeiras apresentadoras de estações de tv que deambulam entre estações privadas, como se isso fosse algo de relevante para a nação. 

No limite, é da liberdade que falamos: da liberdade intelectual, artística, cultural, e de como ela deve mediada entre artistas, instituições de cultura que a promovem, de pais e de público menor. 

Dando por adquirido que a componente sexual sempre esteve presente na forma de expressão artística, e até a pornografia, deve-se delegar essa opção de escolha ao público, sob pena de incorrermos na defesa duma sociedade paternalista e até retrógrada. Em rigor, tanto podemos supor que uma criança de 16 anos pode ficar chocada ao ver uma imagem que descreve um punho invadir uma vagina, como pensar que essa mesma imagem pode moldar a sua conduta futura em termos de opção profissional que mais tarde fará dela um grande artista. Há, pois, sempre duas (ou mais) leituras possíveis para o mesmo fenómeno e essa versatilidade também decorre da criatividade cultural e estética de cada actor em sociedade. 

Em suma: podemos falar de censura no caso do museu de Serralves? 

Creio que em matéria artística há sempre aqueles que, por força de desejarem criar o seu próprio sistema de signos, simbolos para ordenar o seu campo estético vão sempre contra os valores e regras estabelecidos, e é dessa luta de contrários que o mundo pula e avança... 

E essa também é a história do poder e do contra-poder que percorre o mundo complexo e problemático dos artistas e das instituições de cultura que os promovem. 

Com mais ou menos escândalo e prazer...

- Sendo certo que, no médio e longo prazos, perdem aqueles que visam cercear aquelas opções e liberdades. 


JOSÉ COELHO

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