Salvação vs esforço de nos salvarmos. Metafísica da tarde
Desconhecemos se a salvação existe, mas existe a vontade de nos salvarmos.
- É um meio caminho numa ponte que não sabemos quando desaba.
- Pelas costas dos outros vemos as nossas, especialmente no tempo presente em que se assiste à morte de homens do meio artístico e com idades ainda muito precoces, pois ninguém deveria morrer na casa dos 50´s.
- Esta constatação, que é básica e enquadra-se no senso comum, ganha alguma espessura quando percebemos o enunciado, ou seja, que não sabemos se nos salvamos, mas que, pelo menos, vamos tentar.
- Nesse contexto de nos salvarmos - quando Aquiles hesita entre ficar ou partir para a Guerra de Tróia, Tétis, sua mãe, sugere que o filho decida pela partida. Pois partir para a guerra implicaria um acto de coragem e bravura e, ao mesmo tempo, iria inscrever esse acto no domínio da cultura, o qual seria tratado, seguramente, por teólogos, poetas, filósofos, historiadores.
- Significa isto que aqueles estudiosos jamais poderiam evitar que Aquiles pudesse morrer em teatro de guerra mas, pelo menos, a poesia, a filosofia, a teologia, a história impediriam que o nome de Aquiles se esfumasse na história, e este pequeno texto é a prova provada de que o seu nome foi devidamente conservado.
- Se regressarmos ao nosso mundinho, ao mundo contemporâneo - neste corsi e ricorsi das idades da história - e olharmos em nosso redor o que vemos ou pensamos daqueles que, a qualquer momento, podem morrer?!
- O que teria acontecido a Mário Soares se, porventura, ele não tivesse combatido a ditadura do velho "Botas", e os seus mecanismos de censura, castração e de violência operacionalizada pela PIDE?! O que lhe teria sucedido se ele não se tivesse exilado em França, tal como outros que ajudaram nesse combate da ditadura e que tiveram que viver décadas a fio na clandestinidade (Álvaro Cunhal, por ex.)?!
- Afinal, qual é o desiderato que permite a uns salvarem-se perpetuando o seu nome entre nós, e que depois saltam para o mármore das estátuasque eternizam o tempo; e reconhecer que a história nega esse acesso a outros (?!).
- Assim, uns entram para a história, conservam o seu nome e vivem para sempre. Outros não passam do anonimato.
- Nunca podemos dizer que A se irá imortalizar por ter escrito um poema; ou que B não passará do anonimato por o não ter escrito. A história é, por regra, mais complexa e reconhece outras variáveis, objectivas e subjectivas - a maior das vezes difíceis de quantificar.
- O que é facto é que uns morrem tentando, e é o recurso a essa força interior que, em muitos casos, fará a diferença.
- No fundo, e por mais ou menos exercício mental que façamos no arco do tempo, mais ou menos filosofia e poção metafísica à mistura para compor o ramalhete (que é o medo da morte e encontrar subterfúgios para a negar ou adiar), tudo o que nos resta é apenas esse "poema", essa pequena tentativa para evitar que o mundo nos caia em cima e nos esmague definitivamente.
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