segunda-feira

O Dia da Liberdade. Na infância do desenvolvimento


Portugal, findo o império, foi dos únicos povos e nações do mundo que (souberam) fazer uma revolução e conseguiram ter a arte de por as armas a "disparar rosas", em vez de balas, como seria previsível num contexto de pré-guerra civil que nunca chegou a eclodir. 

Consabidamente, estivemos à beira duma guerra civil, mas à última da hora, mercê do esforço de alguns militares mais sensíveis e compreensíveis, e da natureza "mansa" dos portugueses descrita pelos poetas, tal não ocorreu. E isso foi um activo nacional, pois pouparam-se centenas, milhares de vidas, não se destruíram as infra-estruturas do país (já de si pobre), enfim, não tivemos que sarar as feridas decorrente duma guerra civil, como ocorreu em Espanha em 1936 e noutros países cuja transição da ditadura para a democracia pluralista foi traumática. Ou mesmo a nossa própria experiência quando, desastradamente "encerrámos" o império, e se deu início ao processo dos retornados que ocuparam o Jamor e encheram o país de dramas...

Mas se hoje fizermos um balanço da situação  acerca desse dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo, como diria Sophia de Mello Breyner Andresen, o que apuraríamos?! 

Que todos passámos a votar, é certo, mas nem por isso uma democracia com mais de 40 anos está onde deveria estar. Pois ela, a democracia, foi sequestrada pelos lobies, grupos de interesse, muitos deles organizados nas sociedades de advogados cujos deputados (que são advogados de interesses de empresas de manhã e à tarde fazem uma "perninha" no Parlamento onde legislam e fingem defender o bem comum) contribuem para disfuncionar a democracia representativa e pluralista, que o deixa de ser pela captura das liberdades fundamentais por parte daqueles poderes fácticos que operam em nome de interesses corporativos e de natureza empresarial.

E o que dizer da Justiça? Qual dos cidadãos em Portugal crê nela? Quantos banqueiros foram presos em Portugal por ocasião das fraudes do BPN, BPP, BES, Banif, etc? Que procedimentos tomaram já as estruturas de justiça para inquirir os casos de portugueses envolvidos nos Panama Papers e que, por via desse esquema de ocultação de património e de lavagem de dinheiro, subtraem milhões de €uros em impostos ao erário público que tem de ser carregado por via do saque fiscal imposto ao contribuinte que não tem offshores?!

A democracia, nas suas valências económica, social e cultural - ao longo destes 40 e tal anos de prática democrática, também deixa muito a desejar. Somos ainda uma sociedade com estatutos remuneratórios profundamente assimétrica, até mesmo entre homens e mulheres; a sociedade, de Norte a Sul, do litoral ao interior é ainda um mar de contrastes agravada pelas rivalidades regionais e locais que nos tira fôlego para desenvolver harmoniosamente o território e as suas infra-estruturas. No plano cultural, somos um povo do 3º Mundo, quer pelos recursos que os orçamentos de Estado dedicam à área, quer ainda pelos níveis de subsidiodependência que a classe dita cultural (e os seus agentes, operadores e criadores) têm relativamente ao Estado e do qual, em boa parte, dependem para trabalhar, criar e vender as suas produções culturais.

Neste tosco retrato, qualquer português realista constatará que a evocação do 25 de Abril é mais um exercício de fachada que as instituições da república têm de continuar para preencher as formalidades simbólicas e institucionais dum estado de direito. No day after, a bandeira cai, assim como a máscara de cada português, e tudo se converte no folhetim miserável de sempre:

- o dia não é inicial, nem inteiro nem limpo - para desgosto de Sophia..
- e também não emergimos do silêncio do tempo, mas sim das suas cumplicidades manhosas,  criminosas e opacas que hoje tecem o quotidiano dos portugueses, e que os factos e os docs. divulgados nos Panama Papers vieram evidenciar.

Esta democracia lusa ainda está na infância do seu desenvolvimento, está cheia de acne e vícios. E enquanto essas camadas de pus não forem eliminadas da epiderme social nacional com o devido antibiótico para rebentar essa borbulha de pus - estamos votados a ser uma nação adiada.

Adiada, embora cumpridora dos salamaleques simbólicos que o estado de direito impõe à república para fingir que tudo vai bem neste nosso podre reino da Dinamarca... 

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