Macro de grande, skopein de observar: observar o infinitamente grande e complexo. Tentar perceber por que razão a ave vive fascinada pela serpente que a paralisa e, afinal, faz dela a sua presa.
quarta-feira
Eurico Heitor Consciência - partida -
Nota prévia: Conhecia o Dr. Consciência doutros tempos, de miúdo, do tempo de meu Pai, que ainda fora seu cliente e amigo. Mais recentemente, por vicissitudes da vida que agora não têm cabimento, mas que também remetem para o termo da vida, volto a encontrá-lo em Abrantes. Após esse encontro, tive gosto em partilhar com ele um livro de Pitigrilli, A Decadência do Paradoxo. Um livro excepcional que nos ajuda a pensar, e a fintar o próprio pensamento. - Qual não é o meu espanto quando, uma ou duas semanas depois da minha oferta, recebo dele o mesmo título de Pitigrilli, mas numa edição mais antiga e requintada... Tive aquela feliz sensação de estar, ao mesmo tempo, a ser premiado e a ser "gozado"..
- Semanalmente tinha a gentileza de me enviar a sua prosa mordaz e sempre num português bem construído, próprio de quem domina a língua, sabe pensar, escreve com grande encadeamento de ideias, conhece os costumes e está a par do que se passa na sua cidade, no país e no mundo.
- Crítico feroz da nova classe política (quem não é?!) - a sua opinião era sempre meditada com atenção. Goste-se ou não dele, era um homem inteligente e sabedor e como beneficiei dessa sua partilha nestes últimos anos - só me restava dar aqui sinal dessa gratidão intelectual, afinada no mundo das ideias, e que, forçosamente, por força das minhas circunstâncias de vida, me encaminha também para a partida do meu próprio Pai.
- Aqui fica o seu último artigo que há dois dias o decano dos advogados de Abrantes tinha tido a gentileza de partilhar comigo. Mais um..
- Bem haja, Dr. Consciência e até sempre.
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A cultura está na moda, - por Eurico Heitor Consciência -
As questões culturais não
costumam preocupar os meios de comunicação social, e só muito raramente vão à
primeira página dos jornais ou aos primeiros minutos dos telejornais. Mas, confirmando
que não há regra sem excepção, nos últimos quinze dias, o Ministério da Cultura
andou nas bocas do mundo, nas primeiras páginas dos jornais e nas aberturas dos
telejornais. Foram primeiro as salutares bofetadas que o Ministro João Soares
prometeu dar ao Vasco e a outro comentador. Seguiu-se aquela amistosa e
simpática declaração do sorridente António Costa sobre as recomendações que faz
a toda a hora aos seus ministros Sejam
contidos. Não se esqueçam, nem à mesa do café, de que são membros do Governo. Com
esse recado, o sorridente António Costa só quis travar os ministros que estavam
a beber whisky’s atrás de whisky’s no café, porque, sendo certo que os tempos
de austeridade já lá vão, não convém começar já a abusar e a dar maus exemplos.
Mas o João Soares
pensou que aquele recado era para ele e demitiu-se, depois de ter sossegado o Vasco
e o outro : que era só para os assustar;
homem de paz como é, que nunca bateu a ninguém, iria agora dar bofetadas ao Vasco
e ao outro! Nem pensar…
Dias depois noticiou-se que o
novo Ministro da Cultura era um poeta admirado, um poeta p’ra diante. Mas um
Secretário de Estado de Qualquer Sector da Cultura terá sido um dos 203
portugueses que já leram versos do novo Ministro, e, como não gostou dos versos
do Ministro demitiu-se.
Há-de ser substituído agora por
um dos inúmeros talentos que sobram por aí e que goste dos versos do Sr.
Ministro.
Foi um forróbódó. Ninguém
ousaria, um mês atrás, prever que se andasse a falar de cultura entre nós. Por
isso é que entendo que o desporto deve ser transferido para o Ministério da Cultura. A
cultura não é só artes e poesia, abrange também a prática desportiva, a cultura
física, como há não sei quantos séculos foi já dito e praticado pelos gregos. A
mens sana in corpore sano dos romanos
foi tirada dos gregos.
E vão ver que, logo que ao
desporto se atribua a devida dignidade cultural, vão ver que neste país só se
falará de questões culturais. Claro que nessa altura terá que haver um
Secretário de Estado do Futebol, que, de certeza, logo contratará vários
assessores, consultores, adjutores e coadjutores e outros estupores, que, neste
caso, bem se justificam. Por exemplo: o assessor para as arbitragens há-de
descobrir e informar o seu Secretário de Estado sobre as razões que têm levado
os árbitros a não marcar penaltis
contra o Benfica, como fartamente tem propalado esse notável português que dá
pelo nome de Bruno de Carvalho.
Cultura a rodos então. Que bom. Os
povos precisam de ser cultos.
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PS (sem PCP nem BE) : Depois de
minutada esta crónica, li nos jornais que o Secretário de Estado que se demitiu
não era da Cultura mas da Educação. Para mim é tudo o mesmo : a cultura dá educação
e a educação pressupõe cultura.
Eurico Heitor Consciência foi um dos fundadores do Partido Socialista em Abrantes, professor do Liceu e professor Universitário, diretor do Correio de Abrantes, colaborador da imprensa local e regional, inclusivé como cronista do Jornal O Ribatejo nos últimos 30 anos, magistrado do Ministério Público e Notário, organizador das Jornadas Culturais de Abrantes, ativista social e político, entre muitas outras atividades que exerceu e dinamizou ao longo da sua vida.
Pessoa muito “empenhada e envolvida cívica e politicamente”, a notícia da morte de Eurico Consciência foi um “choque” para Joaquim Duarte, diretor do jornal O Ribatejo.
“É um grande choque e uma grande perda em termos pessoais, para a região, para o jornal e para a advocacia”, disse Joaquim Duarte ao mediotejo.net
“Era um dos advogados mais prestigiados da região, com escritórios em Abrantes, Santarém e Lisboa, uma figura muito inteligente e um homem apaixonante e que fez do seu nome – Consciência – o seu sentido de vida”, destacou. Eurico Heitor Consciência (1936/2016) no seu escritório em Abrantes
Fotos: Fernando Baio/CM Abrantes _____________________________________________
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