quarta-feira

Mário de Sá Carneiro. Poeta de sempre

O que corrói a alma neste caso, como no de Fernando Pessoa é constatar que estes dois nomes maiores da cultura e das letras nacionais do século XX - foram homens maiores do seu tempo. Mas no "seu" tempo nunca foram reconhecidos enquanto tal, esse foi um reconhecimento quase-póstumo, o que não deixa de ser uma tremenda injustiça. Pessoa lidou melhor com isso, e conseguiu dar a volta ao texto ainda em vida, mas já não sucedeu o mesmo com o seu amigo, Mário de Sá Carneiro, aqui evocado como poeta de sempre. 




Eu não sou eu nem sou o outro, 
Sou qualquer coisa de intermédio: 
    Pilar da ponte de tédio 
    Que vai de mim para o Outro. 

Mário de Sá-Carneiro, in 'Indícios de Oiro' 
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Quási

Um pouco mais de sol - eu era brasa, 
Um pouco mais de azul - eu era além. 
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído 
Num baixo mar enganador de espuma; 
E o grande sonho despertado em bruma, 
O grande sonho - ó dôr! - quási vivido... 

Quási o amor, quási o triunfo e a chama, 
Quási o princípio e o fim - quási a expansão... 
Mas na minh'alma tudo se derrama... 
Entanto nada foi só ilusão! 

De tudo houve um começo... e tudo errou... 
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... - 
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, 
Asa que se elançou mas não voou... 

Momentos d'alma que desbaratei... 
Templos aonde nunca pus um altar... 
Rios que perdi sem os levar ao mar... 
Ansias que foram mas que não fixei... 

Se me vagueio, encontro só indicios... 
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; 
E mãos de herói, sem fé, acobardadas, 
Puseram grades sôbre os precipícios... 

Num impeto difuso de quebranto, 
Tudo encetei e nada possuí... 
Hoje, de mim, só resta o desencanto 
Das coisas que beijei mas não vivi... 

. . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . 

Um pouco mais de sol - e fôra brasa, 
Um pouco mais de azul - e fôra além. 
Para atingir, faltou-me um golpe de aza... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão' 
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