quarta-feira

O plano de António Costa para financiar o ‘novo rumo’ - por João Marcelino -

Nota prévia: Vale a pena ler esta reflexão que explica bem a estratégia do actual PM para cumprir as promessas eleitorais, pagar aos credores internacionais e, se possível, por a economia a crescer e os portugueses a viver mais e melhor, ou seja, na sua zona de conforto - a que, por oposição, a dupla de meliantes que o precedeu empurrou milhões de portugueses - pessoas, famílias e empresas - para a pobreza. Veremos, doravante, os custos sociais desta nova fase em que entra a democracia portuguesa e como irá passar no "exame de confiança" em Bruxelas. 

PS: O bold a amarelo é nosso.

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Por João Marcelino

O plano de António Costa para financiar o ‘novo rumo’

Vamos esperar pelo OE. Esse é um documento central para a Comissão Europeia, credores e agências de notação. A partir daí veremos o que vale a estratégia de António Costa, sobretudo a de recuperar o crescimento através do consumo. Mas já sabemos como se financia: gastando mais, aumentando o défice (assumido pelo governo anterior) ; pagando menos do que o previsto na dívida até 2020. Ou seja, financia-se, perigosamente, como sempre. in Ponto3


O segredo do financiamento do plano de António Costa para Portugal começa a desvendar-se: vai ser obtido nas ‘repartições’ habituais, do défice e da dívida. Ou seja, vamos gastar mais e pagar menos.
Eu explico: o défice desliza em 2015 umas décimas (dos 2,7% previstos pelo governo anterior, que em boa verdade eram já dificilmente alcançáveis, para um número perto do limite dos 3%, Banif à parte) e sobe em 2016, dos 1,8% assumidos também no tempo de Passos Coelho para 2,8%. São estes os objectivos que o primeiro-ministro vai tentar fazer passar na próxima reunião europeia.
Por outro lado, ficámos a saber, pelo “Jornal de Negócios”, que Portugal também decidiu unilateralmente mexer nos pagamentos ao FMI (e veremos a posição dos credores perante esta decisão a que alguns já chamam uma renegociação da dívida). Estavam previstos 10 mil milhões este ano, vamos pagar 3,3. Os 6,9 de 2017 passam a 2,5. Pagam-se mais 4 e 5 mil milhões nos dois anos seguintes e o resto regulariza-se em 2020. É este o cenário que o instituto que regula a gestão da dívida pública (IGCP) já está a trabalhar.
Ou seja, para cumprir as promessas feitas aos eleitores e aquelas que foram assumidas nos acordos de viabilização do governo com Bloco de Esquerda e PCP, todas executadas ou em execução, António Costa financia-se no ajustamento da “trajectória mais suave” de que falou variadas vezes em campanha. É verdade. Não pode ninguém dizer-se surpreso com esta realidade. O actual governo deixa, mesmo, cair a austeridade e a auto-exigência dela que o PSD /CDS sempre reivindicaram.
Este desenho, que começa a ficar claro, é o pretexto para a angústia dos teóricos da direita dos sacrifícios. Já estão por aí publicadas algumas provas disso. Eu não sou capaz de ser tão severo e muito menos tão clarividente em profecias. Na vida política e pública há sempre alternativas, e fico, portanto, à espera de que a realidade não confirme as previsões mais apocalípticas dos que já adivinham um novo resgate algures do futuro.
Por agora, fico-me nos factos: António Costa está a cumprir as promessas. Relembro: aumentar o salário mínimo (até 600 euros em quatro anos); descongelar as pensões; devolver mais rapidamente os cortes nos salários dos funcionários públicos (num ano, ao ritmo de 25% por trimestre); descer o IVA da restauração, dos 23% para os 13% anteriores à crise; acabar com as taxas moderadoras na interrupção voluntária da gravidez; devolver os quatro feriados e descer o horário de trabalho das 40 horas para 35 (vamos ver com que calendário). A caminho vem a reversão da concessão dos transportes públicos de Lisboa e Porto e a anulação da privatização da TAP, operações que não deixarão de ter elevados custos para os contribuintes, mas que foram referendadas nas urnas.
Devo dizer que, estando à espera, não me surpreendo com todas estas medidas. Elas não deixarão de dar ao governo um ‘estado de graça’ absolutamente normal nestas circunstâncias. O que é diferente, desta vez, é que à quietude do espaço público se some a compreensão dos sindicatos e da actividade parlamentar. Inerências devidas à benção da extrema-esquerda… Mas até isso era fácil de prever a não ser para aqueles que, acreditando na definição de ‘geringonça’, continuam à espera que ela se desmantele a qualquer momento. Eu não espero. Acho, até, e já o disse por diversas vezes, que este governo do PS durará pelo menos dois anos. A partir daí depende do calculismo e das estratégias dos partidos envolvidos na original plataforma que sustenta o executivo na Assembleia da República. Mas não me admiraria que, a não ser num caso de graves pressões dos mercados internacionais, este acordo ficasse muito perto de cumprir a legislatura.
Sou, portanto, razoavelmente crédulo em relação ao dinheiro.
O que me traz algum receio neste início de legislatura é o facilitismo que se começa a instalar nos bastidores das decisões. Explico de novo: a eliminação dos exames aos alunos até ao oitavo ano são um indicador do que se seguirá, na avaliação dos professores (dentro de momentos…), no regresso aos 25 dias de férias (de que já se ouve falar), no ‘investimento’ em moldes desconhecidos na escola pública, no SNS e na fórmula de sustentação do modelo de Segurança Social. Estes três últimos pontos, ainda demasiado genéricos, são particularmente sensíveis, porque respeitam a grandes áreas do Orçamento de Estado, que Mário Centeno anda a negociar com PCP e BE. Veremos o que vem daí, mas os sinais não são particularmente tranquilizadores para quem reconhece que Portugal fez algumas coisas positivas nos últimos quatro anos. Faço, aliás, minhas as palavras de António Costa alguns meses antes das eleições: “O País está melhor”. Está. Na verdade está. Se não estivesse, estas medidas concretas não teriam sido possíveis. E muitas das intenções genéricas para as quais os sindicatos olham de forma gulosa, também não estariam agora ao alcance de um qualquer decreto-lei.
Da reforma do Estado nem falar. Também aqui sem surpresa. Se Passos Coelho fugiu dela, António Costa, agarrado à esquerda, não abrirá o ‘dossier’. Os custos com certeza subirão em professores, médicos e demais pessoal médico, novos critérios de atribuição de subsídios.
Esperemos pelo OE. Esse é um documento central para a Comissão Europeia, credores e agências de notação. A partir daí veremos o que vale a estratégia de António Costa, sobretudo a de recuperar o crescimento através do consumo. Mas já sabemos como se financiam as mudanças e o ‘novo rumo’ de Portugal. Gastando mais, pagando menos. Como no passado.
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