D. Vitalino Dantas, bispo de Beja
Nota prévia: Vivemos imersos nas declarações de políticos sem preparação, currículo ou desígnio para o país. Todavia, encontramos pessoas com trajectos de vida singulares que nos deixam a pensar, e além de não declararem nenhuma verdade original sobre a terra, o que afirmam não é senão um grito de alerta para que algo mude, nem que seja para que nada fique na mesma. É por isso que importa meditar nas palavras sábias de D. Vitalino Dantas, bispo de Beja, um homem da igreja do nosso tempo que é assertivo e sai da sua torre de marfim para apontar os vícios dos agentes políticos e do poder financeiro que os corrompe. Um nome a reter. Um pensamento a seguir.
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D. Vitalino Dantas é o bispo de Beja, onde vive há 16 anos ENRIC VIVES-RUBIO
Passou pelo Minho, Alentejo, viveu na Alemanha.
A minha infância foi no Minho. Aos 10 anos quis ser missionário e escolhi os Capuchinhos. Fui para Vila Nova de Poiares. Voltei ao Minho para outro seminário. Depois entrei na Ordem do Carmo. Estudei em Fátima e na Alemanha, Teologia e Filosofia. Vivi na Alemanha de 1966 a 1976. Dediquei-me aos emigrantes. Mas o tempo principal da minha vida foi em Santo António dos Cavaleiros, Loures. Fui com a tarefa de construir uma igreja, a comunidade. Foi a minha grande aprendizagem como padre. A seguir ao 25 de Abril, havia muita pobreza, pessoas de costas voltadas. Umas com a ideia de revolução; os retornados descontentes; e aqueles a quem chamavam fascistas. Não se falavam. Um bairro assim não tinha futuro.
Qual foi o seu papel?
Tentar o diálogo. Consegui com alguma imaginação pôr aquela gente a colaborar. Nasceu a paróquia. Construímos a igreja e outras infra-estruturas. Fundei um centro cultural e social que tinha mais de 500 praticantes. Fundei a ocupação de tempos livres, com os jovens. Nasceu ali uma comunidade que continua.
Estava na Alemanha no 25 de Abril?
Voltei em 1976, mas em 1974 aproveitei para ver o ambiente. Foi para mim um momento muito feliz, de esperança. Muita gente emigrou por causa da pobreza, da falta de liberdade, pelo medo. Como devo obediência a uma congregação, escrevi que estaria disposto a regressar. Pedi um tempo e em 1976 voltei.
De que forma é que a crise actual chegou ao Alentejo?
A crise afectou muito, mas a reorganização das empresas, da agricultura também trouxe muitos desempregados. As máquinas fazem parte do trabalho. As pessoas têm mais níveis de formação, já não querem voltar à agricultura. Os jovens quase não encontram aqui futuro. Há poucas indústrias. E o Alentejo está muito desertificado. Estou cá há 16 anos - neste período perdemos mais de 10 mil habitantes na área da diocese. Há aldeias que nos anos 60 tinham cinco a seis mil habitantes e que, agora, nem mil têm. Muitos montes estão abandonados.
Disse que no Alentejo “há empresas agrícolas que são associais, criadoras de pobreza”. Qual é, para si, a função social da terra?
Quando os bens não são usados apenas para o bem-estar dos proprietários, mas para contribuir para o desenvolvimento integrado do país e da região estou de acordo. Porque o que é de todos às vezes não é de nenhum. O resultado de uma boa administração não pode ser para o consumo desenfreado de alguns e outros ao lado a morrerem ou a passarem fome. Para nós, que acreditamos na doutrina social da Igreja, uma boa administração é solidária e social. Se não for, quer dizer que só se interessa pelo capital, consumo próprio, e não pelo bem das pessoas. Aí o Estado, através de impostos ou de outras medidas, terá de ajudar esses proprietários a entrarem na dinâmica do bem comum. Não apenas numa dinâmica de uso egoísta dos bens.
Este modelo económico exclui os mais fragilizados?
Este sistema económico, se não for acompanhado, pode levar à exclusão. Uma sociedade que cultiva desigualdades e que exclui cidadãos não tem futuro. Pode provocar uma crise social e dar origem a convulsões que a desagregam. Nós, como Igreja, temos de lutar, para usarmos os recursos e a inteligência para o bem de todos. Aqui no interior, devido a este sistema económico e social, quem não tem nada acaba por emigrar ou ficar sujeito à acção solidária de algumas instituições.
O líder do PCP, após uma audiência com o cardeal patriarca, identificou convergências sobre a necessidade de alterar o rumo desta política. Afirmou ter no partido dezenas de milhares de católicos. Sentiu-se chocado?
Não. Como pároco que fui de Santo António dos Cavaleiros conheci muitos militantes do PCP que eram da Igreja, nunca os excluí. Tinha do CDS, de todos os partidos. A Igreja tem de ser um espaço de diálogo e comunhão. Vai além das nossas divergências. Quanto ao sistema económico e a crise a que chegámos, há muitas coisas que não domino. Hoje sabemos que o mundo financeiro tem os políticos todos na mão. Nenhum político pode fazer política, se não conseguir ter alguma boa relação com o mundo financeiro. Tem, pelo menos, de lhes dar confiança, ou eles fogem e ficamos a mendigar. Era o que estava a acontecer. Estavam a degolar-nos com juros usurários. Este mundo financeiro não perdoa. O que o Governo português fez foi sujeitar-se a muitas das exigências. Mas, pelo menos, conseguiu baixar os juros. A dívida é que se mantém.
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