quinta-feira

Escrutínio Político - por Vital Moreira -




O próprio primeiro-ministro e o PSD já tinham adotado a pior atitude neste lamentável episódio. Confrontado com uma fundada acusação na imprensa sobre o assunto, Passos Coelho começou por falar em "especulação" e "chicana política", antes de ensaiar uma resposta, todavia incompleta e inconvincente. Quanto ao PSD, refugiou-se na ideia de que as acusações dizem respeito à "vida privada" do primeiro-ministro, sendo por isso politicamente irrelevantes. Ora numa democracia moderna poucas coisas têm mais relevância pública do que o incumprimento de obrigações públicas por parte de um primeiro-ministro, tanto mais que a principal acusação ao visado - a de não ter efetuado o pagamento da importância em dívida quando notificado da mesma, apesar de prescrita, só o tendo feito na iminência da revelação pelo jornal Público - ocorreu já enquanto primeiro-ministro (2012-15). 

Por menos do que isso houve outrora ministros que se sentiram obrigados a pedir a demissão (caso de António Vitorino e Murteira Nabo no primeiro Governo Guterres), por alegadas faltas fiscais anteriores ao exercício do cargo, sendo que pelo menos num dos casos a acusação se revelou infundada. Acresce que no caso de Passos Coelho, a gravidade da sua falta é tanto maior quanto ele foi um defensor estrénuo da "tolerância zero" no cumprimento das obrigações tributárias e da sustentabilidade financeira da Segurança Social, justamente enquanto ele se abstinha de cumprir as suas próprias obrigações.

A lisura tributária tem de ser tomada como uma prioridade na avaliação política dos titulares de cargos públicos. Justifica-se por isso que eles apresentem antecipadamente declarações de cumprimento de todas as suas obrigações tributárias e que em caso de acusação fundada eles disponibilizem todas as informações necessárias. Quem governa não deve poder invocar o sigilo tributário para se furtar ao escrutínio público e à responsabilidade política.

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