sábado

A justiça injusta em Portugal



A justiça deve ser cega e aplicada indiscriminadamente a todos os cidadãos. Quer se trate de um ex-PM, do actual PR ou se reporte a um trolha a trabalhar nas obras de restauro do convento para onde Cavaco irá ser remetido pelo destino quando terminar a sua comissão de serviço de quase 30 anos consecutivos nas mais altas funções do aparelho de Estado. 

Mas Deus e do diabo - as usual - estão nos detalhes. Vejamos dois breves e comezinhos exemplos aproveitando já o caso de Sócrates detido para inquérito por causa de uma casa avaliada em 3 milhões de euros, que aquele terá comprado para permanecer em França aquando da sua especialização em ciência política. É lícito averiguar essa situação. Mas agora!? Por que razão, a justiça não interveio antes?

A justiça tardia não é justiça. Feita agora, é interpretada como sendo uma peça articulada dum contexto maior, quiça envolta nos processos que hoje ocupam as manchetes dos media com os vistos dourados do dr. Portas!!!

Por efeito de contraste, Cavaco passou pelos intervalos da chuva quando vendeu acções do ex-BPN com a assinatura de Oliveira e Costa, e fê-lo à margem das regras de mercado definidas pela CMVM, e parece que delas beneficiou de grandes mais-valias, resultantes de larga especulação. Condições a que a generalidade das pessoas detentoras daquelas acções não tiveram. Neste caso, é legítimo perguntar à nobre justiça por que razão esta é célere e eficiente nuns casos e laxista noutros?! Não se percebe. 

Estamos perante operações distintas, com valores também diferenciados, é certo, mas quer num caso quer noutro a justiça revelou diferentes atitudes e comportamentos perante os visados. E é isso que é incompreensível. 

Em Roma, a justiça era representada por uma estátua, de olhos vendados, que significa que todos são iguais perante a lei e todos têm iguais garantias legais ou têm direitos iguais. Sabemos que, na prática, as coisas não são assim. Mas no plano das metas, esse desígnio deverá manter-se em ordem a buscar a igualdade entre todos. E essa é uma função superior do Estado. Valerá aqui a pena evocar Aristóteles, para reforçar a ideia pela qual o conceito de justiça é, simultaneamente, legalidade e igualdade. Desse modo, justo é tanto aquele que cumpre a lei (justiça sentido estrito) como quando aquele que realiza a igualdade (justiça sentido lato)

Por outro lado, emerge a sensação na opinião pública de que a justiça tem ritmos de funcionamento que obedecem mais às leis da reprodução sexual das tartarugas das Maldivas do que propriamente aos códigos de conduta e de boas práticas por que deveria reger-se. A esta luz, por que razão esta detenção do ex-PM tem lugar agora? Terá alguma relação com as detenções dos vistos GOLD?! 

Será que a PJ, o MP e conexos andaram a dormir este tempo todo embalados pelo mau exemplo presidencial do ainda locatário de Belém?!

Para já, a justiça está a mexer e isso é menos mau. Revela serviço. E revela que, afinal, os impostos pagos pelos portugueses, servem para algo: para a PJ, a PSP, o SIS, o MP e demais forças policiais e entidades do estado de direito funcionalizarem a justiça, ou aquilo que julgam ser o seu desígnio, ainda que com um efeito de delay considerável... 

Todavia, fica sempre uma dúvida forte na opinião pública que repousa no carácter extemporâneo com que a própria justiça actua. Pois sempre que os alegados ilícitos são ventilados estes parecem não ser devidamente investigados, entretanto o tempo passa e o sentimento de impunidade instala-se em Portugal. Lá diz o velho adágio: a culpa morre sempre solteira entre nós...

Tem sido assim décadas a fio. Nunca um banqueiro foi preso. O caso de Oliveira e Costa do BPN foi uma excepção, mas este não era bem um banqueiro, mas um ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco (e do cavaquismo) - que serviu de exemplo para as polícias e o MP mostrarem serviço. 

O caso Tecnoforma que envolve o alegado PM, Passos Coelho, foi poupado, e, em conformidade, a investigação foi interrompida e não seguiu o seu curso, como devia. Outro mistério de lana-caprina que a nobre justiça também não consegue explicar, sob pena de meter os pés pelas mãos.

De tudo resulta aquilo que o bom senso já conhece. É que a justiça em Portugal é um verdadeiro totoloto. Tal facto em lugar de potenciar a sensação de garantia e de segurança do cidadão perante o Estado de modo sistemático, apenas vem reforçar o carácter aleatório com que os processos são dinamizados na justiça em Portugal, o que implica uma forte politização da justiça que acaba por ser o pior que a justiça deveria reclamar para si. 

Ou seja, é como se a justiça amputasse as condições - objectivas e subjectivas - de se fazer verdadeira justiça num Portugal profundamente injusto.

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