Câmaras dão lição de gestão ao Governo
O poder local está a dar uma lição ao Estado central sobre como fazer um ajustamento entre os seus gastos e receitas.
Nos últimos três anos, as câmaras municipais fecharam 112 empresas municipais, dispensaram 370 dirigentes e 517 assessores, reduziram os seus quadros em 9356 trabalhadores, extinguiram 1168 freguesias, abateram 21% à sua dívida e chegaram a 2013, ano em que Estado apresentou um défice de 4.9% do PIB, as autarquias foram capazes de registar um superavit orçamental de 5.1%. Na floresta das médias escondem-se casos tão dispares como o do Porto, que em Dezembro último demorava em média quatro dias a pagar aos seus fornecedores, e Portimão, que obrigava a uma espera de 1057 dias. Mas, não há quem discorde do quadro geral: as autarquias foram capazes de cortar despesas e, apesar de terem menos receitas para gerir, reduziram de quatro para 3% o seu peso no total da dívida pública do país.
Pegando nesta bateria de números que mostram um país autárquico capaz de se adaptar a exercícios financeiros exigentes, José Solheiro, secretário-geral da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), sublinha: “Os dados são indiscutíveis e servem para demonstrar que a imagem de despesismo e irresponsabilidade que muitos associam às câmaras é errada e injusta”. Neste clima de relativo regozijo, o Governo não quer deixar o brilho dos indicadores apenas na mão dos autarcas e reclama para si parte dos louros. “Há um conjunto muito forte de reformas que o Governo fez, quer de medidas de equilíbrio orçamental, quer de medidas de limite ao endividamento”, lembra o secretário de Estado da Administração Local, António Leitão Amaro. Que acrescenta: “O país não tem sido suficientemente justo com os autarcas e com o Governo”.
No ajustamento financeiro das câmaras e freguesias, o Governo representou o papel de troika. No texto do programa de ajustamento, havia menção explícita a um aperto nas contas municipais (previa-se uma redução das transferências do Orçamento do Estado em 175 milhões de euros anuais, por exemplo), mas na sua relação com as câmaras, o Governo foi, de facto, além da troika. Ao todo foram aprovadas 11 medidas destinadas a obrigar as autarquias a reduzir gastos, a aumentar receitas próprias e a estabilizar os seus orçamentos. Essas medidas visaram as empresas municipais, o quadro do pessoal, a agregação de freguesias ou as regras de aquisição de bens ou de contratação de investimentos.
No essencial, o plano de reformas do Governo baseia-se no “Documento Verde” desenhado pelo ex-ministro Miguel Relvas. Além de propor um novo mapa autárquico e novas instâncias de governação supramunicipal (ver texto nestas páginas), o Governo desenhou um novo quadro legal orientado pela necessidade de impor a austeridade ao poder local. No vértice desta estratégia está uma nova Lei das Finanças Locais, mas não foi pelo seu alcance que o Estado central impôs severos controlos à despesa: foi através da Lei dos Compromissos, que limita os gastos à receita já cobrada e não à receita prevista como até agora. Ou seja, para gastarem dinheiro em obras ou aquisições, as câmaras têm de ter dinheiro na mão.
Pelo meio, o Governo teve ainda de criar, em 2012, um programa com uma linha de crédito para salvar municípios da insolvência, o Programa de Apoio à Economia Local (PAEL). Destinava-se a autarquias com prazos médios de pagamento aos seus fornecedores superiores a 90 dias. Mais de um terço dos municípios (110), sofriam desta falta e apresentaram as suas candidaturas. Ao todo, o programa já injectou nas economias locais 544 milhões de euros. Há mais 250 milhões em fase de tramitação. Mas a dotação da linha de crédito do PAEL, 1000 milhões de euros, não vai ser complemente utilizada. Há uns 200 milhões que sobraram. Não tanto por erro de previsão do Governo como por vontade das autarquias em resistir à “humilhação” do resgate. Aveiro, por exemplo, chega a ter o seu abastecimento de electricidade em risco por falta de pagamento à EDP, mas não recorreu ao PAEL. (...)
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Obs: Era mais do que previsível que a "reforma" cega de Miguel Relvas geraria receita por via da extinção de freguesias, serviços, logística, gabinetes e o mais. Resta saber se essa dita reforma foi acompanhada de melhoria de serviços às populações, já que encerrar serviços, sobretudo em locais do interior onde as populações já tinham dificuldade em comunicar, pode traduzir-se num ganho material para o OGE mas, ao mesmo tempo, representar uma perda da melhoria da qualidade de vida das populações do interior. Perdas que não são consideradas nessas estatísticas que, por regra, não choram.
Todavia, a história, por vezes, é uma meretriz muito sofisticada, a tal ponto de alguns já aduzirem um argumento perverso que consiste em atribuir a virtude destes resultados ao "dr." R elvas.
Quiça, ainda se gera uma vaga de fundo para lhe edificar uma estátua, e onde estão inúmeros largos do Pelourinho erguer-se-á uma peça de bronze com 3 m. que rezará mais ou menos o seguinte epitáfio:
aqui jaz o nado-morto da política local portuguesa que, sem querer e sem saber, acabou por tomar uma medida que coadjuvou no ajustamento imposto pela troika. Mas sabe Deus com que sacrifícios para as populações...
- Se assim for, talvez seja desta que Miguel Relvas obtém o seu doutoramento honoris causa (concedido pela troika).
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