A poliarquia - ou a falta dela em Portugal - e a evocação de Robert Dahl
Após uma simples pesquisa deparei-me com a mais elementar necessidade de evocar, até por gratidão, o imenso legado de Robert Dahl, um dos maiores politólogos contemporâneos que partiu recentemente, o qual definiu o método poliárquico - como aquele que visa obter uma democracia plena, dada a impossibilidade dela ser atingida plenamente, senão nos seus aspectos formais/procedimentais.
Para atingir esse desiderato, a sociedade terá de ser permeável a uma progressiva inclusão popular, de molde a que cada vez maiores segmentos da sociedade participem nos processos de tomada de decisão.
Para garantir essa progressividade, Dahl definiu 4 níveis de democratização:
1. Hegemonia fechada - quando há baixa participação social nas eleições e poucos candidatos na disputa política;
2. Hegemonia inclusiva - quando se verifica grande participação social nas eleições, e escassos candidatos em disputa política ;
3. Oligarquias competitivas - quando há baixos níveis de participação social nas eleições, mas uma grande diversidade de candidatos em disputa eleitoral;
4. Sociedades poliárquicas - em que ocorre uma ampla participação social e um grande leque de candidatos às eleições.
Dahl vai mais longe e explica que uma sociedade caminha para um sistema verdadeiramente poliárquico - quando o processo de democratização é feito de intensa competição política seguido de inclusão, assim se caminha para a referida poliarquia.
Consequentemente, uma sociedade com inúmeros candidatos (e de qualidade) é uma sociedade que permite, à partida, uma ampla participação popular, ainda que o número de lugares disponíveis limite esse processo de selecção política em contexto socioeleitoral. Desse modo, segundo Dahl, se evitaria a concentração de poder nas mãos de meia dúzia de actores políticos, o que limitaria as opções nessa sociedade e, no limite, enfraquecia o poder das oposições e abria caminho à ditadura.
Consequentemente, uma sociedade com inúmeros candidatos (e de qualidade) é uma sociedade que permite, à partida, uma ampla participação popular, ainda que o número de lugares disponíveis limite esse processo de selecção política em contexto socioeleitoral. Desse modo, segundo Dahl, se evitaria a concentração de poder nas mãos de meia dúzia de actores políticos, o que limitaria as opções nessa sociedade e, no limite, enfraquecia o poder das oposições e abria caminho à ditadura.
Esta foi a ideia do cientista social, cujo legado nos dá aqui a possibilidade de nos perguntarmos que instituições em Portugal, no actual e delicado momento nacional que atravessamos, garante algumas daquelas condições, designadamente os níveis 2, 3 e 4 da grelha supra-apresentada?!
- Será que temos candidatos em quantidade e qualidade suficientes para preencher os requisitos definidos por Dahl - a fim de emprestar consistência democrática em Portugal?
- Será que os partidos políticos contribuem para essa competição ou, ao invés, sequestram esse processo em nome e no interesse de um grupo restrito de pessoas que nem sempre é o melhor preparado?
- Ou seja, urge saber se os aparelhos partidários operam como agentes constitutivos da chamada sociedade aberta (Popper) ou, à contrário, funcionam como verdadeiras máquinas selectivas que peneiram os candidatos e os escolhem não em função de critérios meritocráticos mas em função de critérios pessoais dependentes da vontade de quem - a cada momento - manda nas máquinas partidárias!?
Se aplicarmos esta grelha de questões ao nosso sistema político e à realidade social vivida em Portugal na vigência do XIX Governo (in)Constitucional - teremos de compreender como opera a democracia em condições de distribuição desigual de rendimentos, especialmente num sistema político que bloqueou as ascenção/mobilidade social dentro da administração pública e introduziu no funcionamento geral da democracia representativa bloqueios perigosos que a fazem derivar mais para uma democracia musculada (num contexto de pré-didatura), do que para a sociedade poliárquica teorizada por Robert Dahl.
Aliás, devemos dizer que esta condição não se realiza porque o Tribunal Constitucional impede esta democracia formal de degenerar definitivamente para uma ditadura da maioria (do centro-direita) existente no Parlamento com o beneplácito de Cavaco.
A baixa participação social, a desconfiança dos eleitores pelos políticos e a elevada taxa de abstenção em Portugal - aproximam-nos mais da condição de hegemonia fechada (1) do que das demais condições.
Por outro lado, o facto de termos uma coligação do centro-direita, respaldada quase incondicionalmente por Belém, reforça a ideia de nos encaminharmos mais para uma democracia musculada do que para uma sociedade aberta. Uma brutal carga fiscal, a destruição da classe média e o quase inexistente tecido económico somado à existência de mais de 2 milhões de pobres, que já vivem em efectiva privação de bens essenciais à vida, aproximam o Governo de Passos Coelho dum regime próximo duma ditadura sul-americana, varrida por gritantes desigualdades sociais, da existência duma justiça dual (uma para ricos e outra para pobres).
Hoje, ao ouvir a pobreza discursiva e programática patente nas respostas "austeritárias" que o primeiro ministro deu à Sic, antevendo cerca de 15% de desemprego para o ano, uma baixa produtividade e a continuação das medidas de austeridade, que sequestram a vida às pessoas, às empresas e ao próprio Estado - fiquei convencido de que a revolução em Portugal ainda está por fazer, visto que os ideais de Abril foram cilindrados, e apesar de existir uma democracia formal, procedimental a verdadeira democracia, que integra mais do que exclui, e permite a liberalização da contestação pública (como se vê no esquema abaixo retirado do risoma) ainda está por fazer.
Talvez a aproximação da comemoração dos 40 anos de Abril seja o prenúncio duma nova alvorada. Um tempo em que nos seja permitido dizer o poema de Sophia - o 25 de Abril - e esperar, com muita esperança, que um novo poder irrompa no horizonte e faça aquilo que tem que ser feito urgentemente em nome de Portugal e dos portugueses.
25 de Abril
- Será que temos candidatos em quantidade e qualidade suficientes para preencher os requisitos definidos por Dahl - a fim de emprestar consistência democrática em Portugal?
- Será que os partidos políticos contribuem para essa competição ou, ao invés, sequestram esse processo em nome e no interesse de um grupo restrito de pessoas que nem sempre é o melhor preparado?
- Ou seja, urge saber se os aparelhos partidários operam como agentes constitutivos da chamada sociedade aberta (Popper) ou, à contrário, funcionam como verdadeiras máquinas selectivas que peneiram os candidatos e os escolhem não em função de critérios meritocráticos mas em função de critérios pessoais dependentes da vontade de quem - a cada momento - manda nas máquinas partidárias!?
Se aplicarmos esta grelha de questões ao nosso sistema político e à realidade social vivida em Portugal na vigência do XIX Governo (in)Constitucional - teremos de compreender como opera a democracia em condições de distribuição desigual de rendimentos, especialmente num sistema político que bloqueou as ascenção/mobilidade social dentro da administração pública e introduziu no funcionamento geral da democracia representativa bloqueios perigosos que a fazem derivar mais para uma democracia musculada (num contexto de pré-didatura), do que para a sociedade poliárquica teorizada por Robert Dahl.
Aliás, devemos dizer que esta condição não se realiza porque o Tribunal Constitucional impede esta democracia formal de degenerar definitivamente para uma ditadura da maioria (do centro-direita) existente no Parlamento com o beneplácito de Cavaco.
A baixa participação social, a desconfiança dos eleitores pelos políticos e a elevada taxa de abstenção em Portugal - aproximam-nos mais da condição de hegemonia fechada (1) do que das demais condições.
Por outro lado, o facto de termos uma coligação do centro-direita, respaldada quase incondicionalmente por Belém, reforça a ideia de nos encaminharmos mais para uma democracia musculada do que para uma sociedade aberta. Uma brutal carga fiscal, a destruição da classe média e o quase inexistente tecido económico somado à existência de mais de 2 milhões de pobres, que já vivem em efectiva privação de bens essenciais à vida, aproximam o Governo de Passos Coelho dum regime próximo duma ditadura sul-americana, varrida por gritantes desigualdades sociais, da existência duma justiça dual (uma para ricos e outra para pobres).
Hoje, ao ouvir a pobreza discursiva e programática patente nas respostas "austeritárias" que o primeiro ministro deu à Sic, antevendo cerca de 15% de desemprego para o ano, uma baixa produtividade e a continuação das medidas de austeridade, que sequestram a vida às pessoas, às empresas e ao próprio Estado - fiquei convencido de que a revolução em Portugal ainda está por fazer, visto que os ideais de Abril foram cilindrados, e apesar de existir uma democracia formal, procedimental a verdadeira democracia, que integra mais do que exclui, e permite a liberalização da contestação pública (como se vê no esquema abaixo retirado do risoma) ainda está por fazer.
Talvez a aproximação da comemoração dos 40 anos de Abril seja o prenúncio duma nova alvorada. Um tempo em que nos seja permitido dizer o poema de Sophia - o 25 de Abril - e esperar, com muita esperança, que um novo poder irrompa no horizonte e faça aquilo que tem que ser feito urgentemente em nome de Portugal e dos portugueses.
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'
Etiquetas: Abril, Poliarquia, revolução, Robert Dahl
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