New York Times: Snowden “prestou um grande serviço ao seu país”
New York Times: Snowden “prestou um grande serviço ao seu país”
As direcções editoriais dos jornais The New York Times e The Guardianapelaram ao Governo dos Estados Unidos para que trate Edward Snowden como informador e lhe conceda alguma forma de clemência.“Considerando a enorme valia da informação que divulgou, e os abusos que revelou, o Sr. Snowden merece melhor do que uma vida de exílio permanente, medo e fuga. Pode ter cometido um crime para o fazer, mas prestou um grande serviço ao seu país. É tempo de os Estados Unidos oferecerem a Snowden um perdão ou alguma forma de clemência que lhe permita regressar”, escreve o jornal norte-americano.
A pena para o antigo analista da NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos) deverá, segundo o jornal norte-americano, ser “substancialmente reduzida” devido ao seu papel de denunciante. Snowden, acrescenta, deve poder dedicar a sua vida a defender uma “maior privacidade” e uma “muito mais forte” supervisão dos serviços de vigilância.
“Quando alguém revela que funcionários do governo violaram rotineira e deliberadamente a lei, essa pessoa não deve passar a vida na prisão, nas mãos desse mesmo governo”, considera o jornal, num texto editorial divulgado na quarta-feira. Com as revelações de Snowden, “o público ficou a saber com grande detalhe como a agência tinha ultrapassado o seu mandato e abusado da sua autoridade".
Também o britânicoGuardian, um dos jornais que divulgou em primeira mão informações fornecidas por Snowden, se manifestou, igualmente na quarta-feira, a favor de uma solução que valorize o papel do analista informático, por ter revelado "sérias questões de importância pública que antes estavam escondidas".
“Esperamos que as pessoas ponderadas dentro da actual administração estejam a trabalhar numa estratégia para permitir ao Sr. Snowden voltar aos EUA com dignidade, e ao Presidente usar os seus poderes executivos para o tratar de forma humana e de um modo que seria um exemplo brilhante sobre o valor dos informadores e da própria liberdade de expressão”, escreve oGuardian.
1,7 milhões de documentos desviados
Snowden, actualmente refugiado na Rússia, desviou cerca de 1,7 milhões de documentos altamente secretos sobre o programa de vigilância da administração norte-americana e divulgou-os à imprensa. Esses documentos revelaram a intercepção secreta de tráfego telefónico e de Internet a nível global. Foi divulgada a vigilância de cidadãos em larga escala — com dados como hora, duração e assunto das comunicações, embora não o conteúdo — e também de líderes estrangeiros como a chanceler alemã, Angela Merkel, e a Presidente brasileira, Dilma Rousseff.
O antigo analista é acusado de duas violações do Espionage Act, por divulgação não autorizada de informação classificada, e de uma terceira, de roubo de propriedade governamental. Incorre em penas de prisão por cada uma delas. Em tribunal, o Governo poderá juntar novas acusações.
Em Agosto, como lembra o New York Times, o Presidente Barack Obama disse que Snowden devia regressar e responder na Justiça e sugeriu que se quisesse ter evitado as acusações de crime devia, muito simplesmente, ter comunicado aos seus superiores os abusos que tornou públicos.
O antigo analista disse em Dezembro, numa entrevista ao Washington Post, que fez isso mesmo, que comunicou as informações a dois superiores, mas que estes nada fizeram. Só depois, disse, optou pela divulgação pública. A NSA diz que não há provas de que o tenha feito.
O caso conheceu em Dezembro de 2013 três desenvolvimentos que podem alterar a forma como foi anteriormente encarado pelas autoridades norte-americanas. Rick Ledgett, que liderou o grupo da NSA que analisou as fugas de informação, admitiu, numa entrevista à CBS News, considerar a hipótese de uma amnistia se o antigo analista não fizer novas revelações.
Um juiz de um tribunal de Washington considerou que o programa que põe sob vigilância as comunicações dos cidadãos de forma indiscriminada é “provavelmente inconstitucional”. Por fim, um painel de peritos nomeado pelo Presidente concluiu que a população mundial está sujeita a uma vigilância constante e que os políticos e os juízes devem actuar. O relatório entregue a Obama preconiza a impossibilidade de ser guardada informação sobre cidadãos recolhida em larga escala e reforçou a pressão sobre a necessidade de o Congresso e a Casa Branca procederem a uma revisão dos programas de vigilância da NSA.
Na entrevista ao Washington Post, em vésperas de Natal, a primeira em território russo, Snowden declarou a sua “missão cumprida”. “Por mim, em termos de satisfação pessoal, a missão já está cumprida. [...] O que eu queria era que o público pudesse ter algo a dizer sobre o modo como somos governados”, disse.
Snowden afirmou igualmente que não se via numa luta contra a NSA. “Eu ainda estou a trabalhar para a NSA, eles é que não se apercebem”, declarou, explicando que o seu objectivo não é derrubar a agência, mas melhorá-la.
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Obs: E. Snowden é, acima de tudo, um tipo inteligente que cometeu uma ou duas desautorizações funcionais para denunciar dois tipos de crimes: crimes de Estado praticados pela República Imperial (para evocar Aron) contra os seus próprios cidadãos - na esfera doméstica; e a espionagem escandalosa aos líderes dos seus aliados europeus como se este fossem velhos estalinistas do tempo da Guerra Fria.
Obama já há muito que deveria ter feito o mea culpa, ter adoptado novas normas e procedimentos junto da NSA e outras organizações de intelligence e, acima de tudo, reintegrar o cidadão E. Snowden na sociedade norte-americana antes que os estragos sejam maiores e a administração norte-americana fique com as calcinhas ao fundo das pernas perante a Comunidade internacional.
Obama, que também é um sujeito inteligente, já percebeu isto há meses, mas a circunstância de estar a denegar os factos cristaliza-o numa posição de enfraquecimento interno crescente, mesmo perante as agências de intelligence e o Capitólio, facto que o impede de resolver esta obsessão nas relações EUA-Rússia (que o acolheu).
De facto, Snowden prestou um serviço à Humanidade, mesmo que para o efeito tenha cometido algumas pequenas ilicitudes que, no quadro operacional da proporção do risco gerado (pela denúncia) com o benefício acumulado para a Comunidade internacional - é largamente vantajosa a sua acção em prol da forma de fazer política internacional, com respeito pelos princípios básicos de convivência entre povos e sociedades (ditas) civilizadas.
Ao não reconhecer estas evidências Obama incorre na possibilidade de poder ser visto, a médio prazo, como o bárbaro do novo tempo que, perante o conhecimento de crimes do Estado contra a sua própria população e os países aliados, decidiu reinventar um mundo de fantasia cuja patologia política poderia ser explicada por alguém que vive ainda um novo estágio da Guerra Fria.
Etiquetas: New York Times, serviço ao seu país”, Snowden
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