quinta-feira

Falta de legitimidade do XIX Governo Constitucional para governar. Usurpação do poder

(Demissão do Governo)

1. Implicam a demissão do Governo:
a) O início de nova legislatura;
b) A aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro;
c) A morte ou a impossibilidade física duradoura do Primeiro-Ministro;
d) A rejeição do programa do Governo;
e) A não aprovação de uma moção de confiança;
f) A aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
2. O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.
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Na política portuguesa (ou à portuguesa) ocorre um fenómeno recorrente no sistema político desde 1974, embora com mais acuidade desde o período conhecido pelo cavaquismo, em que o Estado sofreu a macrocefalia pela invasão de boys que o estado laranja injectou nas várias esferas do aparelho de Estado - gerando o estado dentro do Estado, mas não foi só o PSD que contribuiu para este lodaçal, mas foi o seu principal responsável. 

- Por outro lado, o desvio que sublinho decorre do gap sistemático entre aquilo que é anunciado pelos dirigentes políticos e aquilo que é efectivamente realizado por eles. Quando a distância entre o anunciado e o realizado é grande - resta recorrer ao expediente da mentira política para, através dele, desenvolver a "política da mentira política". 

- O que tem acontecido em Portugal, sobretudo nos últimos anos, é que o partido que captura o poder fá-lo com auxílio deliberado daquele mecanismo (a mentira) a fim de garantir a eficácia do seu controle, manutenção e, se possível, reforço. 

- Em 2011, Passos Coelho chegou ao poder com um determinado programa eleitoral, que comunicou à sociedade e que esta (ingenuamente) sufragou, mas uma vez no poder, e não obstante o Memo da troika, Coelho não hesitou um minuto em desvirtuar o seu programa eleitoral, nas várias políticas públicas/sectoriais e incluiu em cada uma delas (em todas elas, da Educação à Saúde) medidas que não estavam inicialmente previstas, e que jamais seriam votadas pelo eleitorado caso fossem apresentadas ao sufrágio. 

- Ora, Passos Coelho decide rasgar o seu Programa eleitoral e refaz de cima a baixo o seu Programa de Governo, condicionado pela troika, e por uma ideologia e agenda neoliberal que visa desmantelar o Estado social, aumentar brutalmente os impostos, empobrecer o país e privatizar o que resta das empresas públicas, sem critério e de forma cega, sem garantir ou acautelar o interesse público, como se vê agora com esta privatização estranha dos Correios. 

- Quem toma decisões em nome do superior interesse do Estado sem as devidas precauções não é um decisor político, é um usurpador de um lugar de representação do Estado, na medida em que ocupa esse lugar para favorecer um grupo de interesses, violando grosseiramente o contrato social dos eleitores que nele depositaram o seu voto, a sua confiança. Uma confiança traída em nome de interesses obscuros que nada têm a ver com o bem comum. Logo, o gap entre o anunciado no programa eleitoral com base no qual Coelho foi eleito e a verità effetuale, como diria Maquiavel, é gritante. O que faz do actual primeiro-ministro um sujeito politicamente irresponsável (perante o PR e do eleitorado que reclama eleições antecipadas) -  porque o exercício da sua função ficou desconforme ao contrato político inicial com que foi votado e eleito. 

- Consequentemente, quando há usurpação do exercício da função para que se foi investido - todo o sistema de administração pública fica contaminado por aquele sinal de usurpação de função do poder e, por extensão, todas as reivindicações dos vários interesses sociais (enfermeiros, professores, polícias, magistrados, etc) - será igualmente contaminados por aquela prática. 

- Diante este vazio de legitimidade, decorrente da falta de autoridade do Estado, todos e cada um daqueles actores sociais, desde os sindicatos, patrões e demais corporações, tendem a actuar em função da obtenção da máxima vantagem no imediato, mesmo que isso viole o interesse geral da colectividade. Pois é esse egoísmo de cada actor que se substitui ao interesse geral que o governo, por ter deixado de ser legítimo pela quebra do laço psico-afectivo do PM relativamente ao eleitorado, se revela agora impotente. 

- Ao deixar de haver uma referenciação política legítima alicerçada na figura do PM - doravante todos e cada um dos ministros entram em roda livre, confusão que é agravada pelo facto de ser o Vice-PM, Portas, quem, de facto, assume o efectivo papel de PM, apesar de valer apenas 5% nas intenções de voto (já com muita benevolência), o que não deixa de ser uma ironia, ou melhor, o paradoxo do funcionamento do nosso sistema político. 

- Perante este vazio de poder e de legitimidade política em Portugal, com um PM profundamente diminuído no exercício das suas funções e fortemente contestado em todos os segmentos da sociedade, pelo menos desde o verão passado, pelos factos desde então conhecidos, somos forçados a concluir que o PR deveria aceitar a demissão do PM (funcionalizando os preceitos da CRP), mas para que isso acontecesse seria necessário existir uma condição prévia no carácter dos homens, que parece não mais verificar-se: a honra. 


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