sábado

Refugiados climáticos: o novo desafio da ONU, das suas agências especializadas e dos Estados

Catastrophes are part of human history and endeavour. The pervade our lives and are a certain part of our future. Catastrophes humble the human effort to bring order to the world.
David Caron




As mudanças climáticas, em larga medida determinadas pela acção humana, estão, de facto, a modificar a paisagem dos problemas das relações internacionais cujo impacto e o risco é cada vez mais global. Logo no início da década de 90 do séc. XX - o sociólogo alemão, Ulrich Beck anteviu e teorizou o fenómeno da globalização associado à disseminação do risco, de tal modo que as sociedades hodiernas não podem, a esta luz, ser pensadas como meras sociedades calculadas em torno de classes, cujos conflitos resultavam do estatuto socioprofissional, das remunerações que auferiam e dum conjunto de tensões e de conflitos associados ao pensamento marxista da história e da dialéctica que acompanhava a sua dinâmica futura.

A globalização, nesse sentido, trouxe consigo a universalização dos perigos, os quais deixaram de se circunscrever aos locais onde são produzidos e passam a influir em todas as cadeias alimentares que interligam todas as pessoas no planeta, como adverte aquele sociólogo - na sua obra Sociedade de Risco. Aliás, Beck defende que houve uma ruptura no seio da modernidade que a distanciou da sociedade industrial (tradicional) e que fez emergir algo diferente: a sociedade industrial do risco. E assim como a sociedade industrial criticou as práticas típicas das sociedades precedentes (de tipo feudal) também a sociedade de risco questiona as premissas da sociedade industrial. Isto porque, como explica o sociólogo, no desenvolvimento das sociedades modernas os riscos sociais, político e industriais assumem proporções gigantescas que escapam ao controlo das instituições de protecção da sociedade industrial regulada então pelo velho Estado nacional. 

Será, porventura, esta teorização - que traduz a experiência quotidiana de milhões de pessoas desprotegidos dos seus Estados, das suas instituições políticas e das suas leis, das suas fronteiras e do seu saber científico e das tecnologias disponíveis que as tornarão mais permeáveis ao risco dos efeitos das catástrofes naturais e dos eventos extremos, sejam eles de origem directamente humana (pelo excesso de emissões de CO2 lançados para atmosfera) ou resultantes de factores naturais mais desligados dessa causalidade. 


Um dos objectivos de BanKi-moon é estender o prazo do Protocolo de Kyoto, cujo termo expirou no fim de 2012. Este instrumento continua o mais próximo que existe de um acordo global obrigatório sobre o clima e que, por essa razão, deverá ser alargado. Cabendo aos Estados (especialmente aqueles mais poluidores, como a República Popular da China, os EUA e outros) a capacidade de demonstrarem, de forma clara, que as negociações de um instrumento global e vinculante para combater as alterações climáticas são um objectivo comum e estão activas, além de equacionarem como é que pretendem agir no futuro imediato ligando, com seriedade e coerência, as promessas feitas e presentes nos Objectivos do Milénio, e os meios e as estratégias adequadas para os garantir. Ou seja, manter a média de aquecimento global abaixo dos dois graus Celcius. Já que o não cumprimento deste limite imporá um aumento de temperatura global e a consequente subida dos níveis das águas que, inevitavelmente, irão submergir inúmeros pequenos Estados ribeirinhos, especialmente em África e no Pacífico, os quais se confrontarão com problemas de subsistência e de emigração em massa para os países vizinhos que terão, por razões humanitárias, de os acolher. 

O caso do cidadão do micro-Estado de Kiribati, no Pacífico, enquadrado aqui, é sintomático desta nova figura do refugiado climático que a ONU, as suas agências especializadas e, em primeira linha política, os Estados nacionais que integram o sistema internacional  - serão chamados a pronunciarem-se a fim de criar os adequados instrumentos legais (convenções e outros) para regular esta nova realidade do mundo contemporâneo. 

A urgência desta nova necessidade normativa decorre da própria cadência com que assistimos à ocorrência dos eventos extremos, sobretudo na região do Pacífico. Devemos lembrar, segundo cálculos da ONU, que as inundações atingem já 250 milhões de pessoas por ano. A representante especial do Secretário-Geral da ONU para a redução de risco de desastres, Margareta Wahlstrom relembra que o ano de 2013 representará uma viragem no modo como os governos percepcionam e respondem aos desastres climáticos extremos, especialmente inundações, que actualmente afectam vários países em todo o mundo. 


Noutras latitudes, como na Índia, Nepal, Canadá e em muitos países da Europa a precipitação intensa tem provocado inundações extremas que afectaram o bem-estar e as condições de vida a milhões de pessoas. Acredita-se que as chuvas de monção na Índia, em 2013, sejam as mais pesadas nos últimos 80 anos. Mais de 600 pessoas morreram nas enchentes, enquanto que 80 mil foram resgatadas. Cerca de 7 mil pessoas ainda estão isoladas nas montanhas após as enchentes e os deslizamentos de terras que estão associados a esse tipo de evento extremo. 

Já na província canadiana de Alberta, mais de 100 mil pessoas foram forçadas a fugir das suas casas por força das enchentes provocadas por chuvas torrenciais. As inundações atingiram estradas e pontes, cortaram a electricidade e centenas de pessoas ficaram submersas e isoladas. 

De entre os principais factores que aceleram estes problemas, estão a falta de planeamento urbano, que potencia o risco de enchente por causa do incorrecto uso do solo. Além disso, a drenagem, o saneamento e a infra-estrutura de resíduos sólidos mal conservados são outros factores que agravam os problemas ambientais, além das emissões de CO2 para a atmosfera geradora do efeito de estufa que acelera o aquecimento global do planeta.

Estas questões agravam ainda mais as condições de vida dos deslocados internos e dos refugiados, agora não por motivos de discriminação racial, guerras civis e perseguições de vária ordem, mas por motivos exclusivamente climáticos, de que o cidadão Ioane Teitiota, de 37 anos, e originário de Kiribati e a residir e a trabalhar na Nova Zelândia - se tornou numa referência mundial.  
Sabemos hoje, através dos indicadores do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) - e pelo seu relatório anual de "Tendências Globais" que no final de 2012 mais de 45,2 milhões de pessoas se encontravam em situação de deslocamento em comparação com 42,5 milhões de pessoas no final de 2011. Sendo que metade desses refugiados tem idade inferior a 18 anos. 

Encontrar soluções para estes problemas urgentes é hoje um desafio da ONU e de todos e de cada um dos Estados do mundo, porque o problema é verdadeiramente global e exige, para o efeito, um pensamento, uma doutrina e uma praxis verdadeiramente global, coerente e consequente com os desafios colocados ao planeta e à sustentabilidade da vida humana, e não só...

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Refª bibliográfica:
-  Ulrick Beck, Risikogesellschaft - Auf dem Weg in eine andere Moderne, Suhrkampf, Frankfurt am Main, 1986.

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