quinta-feira

A natureza humana - por André Macedo -


Há um país no meio do Pacífico que se chama Kiribati. É um arquipélago formado por 33 ilhas, na verdade 32, porque uma delas, Banaba, é apenas uma pequena elevação de coral no meio daquele oceano magnífico. Talvez já tenha ouvido falar deste sítio: não há assim tantos que vivam com a certeza de que vão afundar nos próximos anos, submergidos pela subida dos oceanos provocada pelo aquecimento global. Os 103 mil habitantes de Kiribati não vão ao engano. Eles sabem o que os espera: o território tem uma elevação inferior a dez metros, prevê-se que nos próximos 20 anos os lençóis de água que ainda aguentam a vegetação e que asseguram a existência de vida - terra arável, árvores, essas coisas mundanas - fiquem de tal forma contaminados pela infiltração de sal (mas não só) que se tornará impossível viver em qualquer das ilhas.link, dn

O que é mais chocante neste genocídio pós-moderno não é apenas o desinteresse absoluto do mundo inteiro por esta tragédia gota a gota, uma desgraça sem limites que só acontece porque o ambiente (a natureza) é uma coisa que na verdade não interessa um pinguim, embora fique bem na fotografia quando domesticado nos relatórios de sustentabilidade das grandes empresas - quem já teve um destes calhamaços nas mãos, altares do design Wallpaper, sabe bem o que significa desperdício de papel, energia e dinheiro. Na verdade, estes relatórios, estes troféus ecológicos que fazem cócegas à nossa consciência coletiva, são eles próprios a metáfora do esbanjamento. São o contrário do que apregoam ser: 100% inúteis.

Dizia eu: o que é chocante nisto tudo é apenas o detalhe macabro de os kiribati não terem qualquer responsabilidade no aquecimento global que lhes afogará o país; mas também o facto de eles próprios, os habitantes das ilhas e não outros, estarem pela sua mão a acelerar o processo de contaminação das águas e das terras das quais dependem para sobreviver. Não só defecam nas águas da lagoa à volta das ilhas - é difícil mudar de hábitos -, como enterram os mortos ao pé dos poucos lençóis de água que ainda se aguentam. É difícil mudar de tradições, nós sabemos. Tudo isto acontece apesar do debate permanente no país (suspeito que deve haver um Prós & Contras em Kiribati) para que as pessoas compreendam e se mobilizem.

Como é possível um povo inteiro apressar o seu fim? Como é possível as pessoas não se porem de acordo, um acordo mínimo, quando o interesse coletivo é tão evidente e a destruição tão radical? O presidente de Kiribati disse esta semana que a única alternativa seria suspender a democracia durante seis meses para salvar o que ainda é possível salvar. Disse mesmo, é conferir na Bloomberg, não sei se andou a ler os discursos de Ferreira Leite. Acontece que a natureza humana é isto. A porcaria tem esta tendência viscosa, visceral, para vir ao de cima nos momentos mais difíceis. A crise infiltra tudo, justifica tudo, da agressividade sem limites ao egoísmo mais primitivo à divisão política mais oportunista. Regredimos. Como diz o filósofo Mike Tyson, todos temos um plano até levarmos um murro na boca.
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Obs: Medite-se neste tema que navega entre a sustentabilidade ambiental, a catástrofe natural e a incompetência política do mundo inteiro que finge não ver o que é óbvio - e que a todos, a prazo, penaliza. 

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