segunda-feira

O pós-materialismo socioeleitoral


A maior quota das mudanças socioeleitorais do pós-guerra, sobretudo em sectores mais instruídos e de maior prosperidade da população, resultou dum ambiente de pax duradoura que se instalou na Europa desde 1945 - sem precedentes até aos nossos dias. Foi esse clima que facilitou a expansão do ensino superior e a maior facilidade de mobilidade e o desenvolvimento duma contracultura relativamente aos poderes instituídos. Uma cultura, é bom notar, que se desenvolveu duma forma sem precedentes no séc. XX. Ainda que nem sempre fosse evidente essa mudança de valores e os contornos dessa contracultuta emergente.

Em apoio desta afirmação, importa referir que, atendendo às cambiantes da conjuntura, as juventudes no interior das sociedades dirigiram a sua atenção para os direitos cívicos e culturais, a luta contra a alienação e exploração, o internacionalismo e o localismo - em detrimento do Estado-nação. Defendem, protegem e promovem os recursos naturais, reclamam empregos condignos e condições de trabalho aceitáveis, pugnam por uma democracia assente do rule of law (que sustente o ambiente e o crescimento económico), reivindicam a liberdade de comportamento sexual (por oposição à moral tradicional), desejam uma participação activa dos cidadãos na vida pública e defendem formas de democracia directa, entre outros valores.

Naturalmente, o conjunto destes valores pós-materialistas questionam os velhos valores e as instituições que os defendiam, daí a desvalorização da ideia de que votar de 4 em 4 anos é algo relevante, já que os plebiscitos e as consultas às populações são quase diárias, mediante a acção dos media e das redes sociais que escrutinam inúmeros aspectos da vida política, financeira, social e económica. 

A personalização e a pequena dimensão das instituições e comunidades (por contraponto às grandes burocracias) e a defesa intransigente dos direitos das mulheres e das minorias, sejam elas de tipo sexual, étnico, religioso ou outro, recortam outro traço da conjuntura. Nasceu assim um novo estilo de vida, representado por uma maior variedade de ocupações e interesses, que geraram novas oportunidades de negócio e de emprego, complementado por uma nova capacidade de mobilidade social e geográfica. 

Por outro lado, os inúmeros Movimentos Sociais e partidos surgidos na década de 70 do séc. XX - já foram formatados por aqueles valores pós-materialistas que, em rigor, tiveram origem, predominantemente, nos movimentos estudantis iniciados uma década antes nos EUA e que rapidamente se estenderam à Europa, com um cunho marcadamente de esquerda. E de que o Maio de 68 foi um ícone. 

Na década de 80, a emergência de uma "nova direita" desfere um ataque conservador ao Estado-Providência e ao tipo libertário de algumas reivindicações da "nova esquerda" (muito apoiada no direito ao aborto e nos direitos dos homossexuais, uma agenda pobre..). Paralelamente, os filhos dos agricultores mudaram-se para as grandes cidades, passaram a ser cosmopolitas, muitos deles ascenderam socialmente e passaram a enquadrar-se nas profissões mais prestigiadas, ou seja, converteram-se em white-collar workers.

Mas enquanto que nos anos 80 do séc. XX - a clivagem social emergente se fazia assente na cultura, e não já na economia ou na religião, hoje, ao invés, os conflitos sociais resultam directamente da ausência de condições socioeconómicas que permita fixar e estabilizar as populações, e na raiz desse mal está, naturalmente, a elevada taxa de desemprego nos países da Europa, especialmente do Sul. Sem a garantia dessas condições as necessidades básicas das pessoas e das empresas não podem ser asseguradas, daí a emigração compulsiva, a desertificação do interior de Portugal (e também das grandes cidades), o envelhecimento da população, a falta de coesão social e no território, etc. Enfim, o empobrecimento estrutural do país. 

Nos anos 90 - o alvo principal dos apelos eleitorais dos partidos políticos de governos ocidentais - inscreveram-se a meio caminho entre a opulência e a comunhão de alguns problemas que afectam a classe trabalhadora. É nesta fase que os laços grupais se desfazem, e a informação deixa de ser passada de forma pessoal para ser difundida em quantidades industriais pelos media - que se tornam, eles próprios, uma grande indústria: a indústria da informação altera e condiciona a forma como as mensagens são veiculadas, logo quem tiver melhor telegenia e mais condições objectivas para aceder aos grandes meios poderá encontrar-se em melhores condições de condicionar e manipular o voto.

Esta nova relação dos media com a sociedade, a política e a economia trás novidades, na medida em que o voto é cada vez menos fixado em razão da interacção social e cada vez mais influenciado pelo modo como os media cobrem os eventos e passam a informação à sociedade. Esta novidade provoca, necessariamente, uma desestabilização do quadro institucional vigente. 

Através desta pequena evolução que envolve o modo de comunicar em contextos socioeleitorais - apenas procuramos sublinhar que as clivagens sociais - racionalizadas pelos discursos partidários - têm evoluído ao longo dos tempos, conforme resenha supra. As clivagens vão, assim, mudando de tom e de registo: a velha classe média contra a nova classe média (que desapareceu!!!); os operários especializados vs a classe de licenciados excluída e não empregável no país; a juventude confrontada com os avós (que, curiosamente, acabam por ajudar filhos e netos) - como se ambas as gerações estivessem, agora, a cargo dos super-avós.

Tudo, portanto, se altera nas novas eleições. Veremos que resposta os portugueses dão ao terror político e fiscal que se abateu sobre 10 milhões de pessoas que nunca como hoje souberam o que fazer à vida.  


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