segunda-feira

Evocação de Michel Foucault por relação às eleições autárquicas e ao contra-exemplo de Oeiras



Desconheço país dito civilizado da Europa que conheça a prática de um delfim de um presidiário político, no caso vertente Isaltino Morais - em uníssono com o povo de Oeiras (ou parte dele, especialmente os avençados e inúmeros quadros que pretendem continuar a integrar o sistema de privilégios) - entregue, numa bandeja política, a vitória eleitoral ao ex-autarca detido por crimes de colarinho branco que são do conhecimento público. A esta luz, Portugal ficará nos anais políticos como o país que inova no campo da teoria política e é bastante surrealista no domínio prático.
Sabe-se que o filósofo Michel Foucault, que estudou o biopoder no seio dos estabelecimentos prisionais através da figura do Panóptico - projecto arquitectónico de prisão concebido por J. Bentham - destinado a garantir que todos os prisioneiros pudessem ser observados pelas autoridades a partir da torre central da cadeia) - jamais pudessem ver quem os controlava - sofre - aqui um incremento pós-moderno no facto de o vencedor das eleições de Oeiras, um dos concelhos mais ricos e dinâmicos do país, levar a vitória ao presidiário na própria cadeia. 
A força inovatória deste facto social gera, simultaneamente, uma revolução política e cultural (senão mesmo epistemológica), no sentido de que, doravante, o presidiário Isaltino, ao contrário das observações académicas patentes na vida e obra de Foucault - não só tem a capacidade de ver as autoridades, como também de agir - directa e indirectamente - sobre a dinâmica sociopolítica no seu concelho através do seu "testa-de-ferro" político - que agora conquistou a legitimidade democrática que lhe permite ser o autarca legítimo da Câmara Municipal de Oeiras -  onde aquele fora considerado o autarca-modelo durante anos. 
Esta nova prática abre um precedente sem igual em Portugal e constitui também um fiável indicador de que o povo eleitor de Oeiras - que pode ser o mais letrado e licenciado, mas não será, seguramente, o mais legalista, ético e responsável. 
Esta faca cravada no dorso da democracia pluralista e no rule of law revela, afinal, que as leis, as convenções, os costumes, os acórdãos dos tribunais  e o mais são valores altamente precários que se devem relativizar e que, em certos casos, valem tanto como aqueles pedaços de papel que servem para remover os excrementos dos animais da via pública. 

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