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A nova resposta - por António Vitorino - dn -

Apurados os resultados eleitorais, o voto na mudança de rumo do País não surpreende tanto pela ocorrência mas mais pela sua dimensão. Na generalidade dos países europeus, os partidos de governo têm registado derrotas mais ou menos pesadas, expressão de um descontentamento muito generalizado ligado à crise económica e financeira mas também decorrente de um crescente sentimento de dúvida e de insegurança sobre o devir colectivo.
No caso português, os beneficiários desta vontade de mudança foram os partidos alternantes dentro do sistema, contrastando com o crescente peso de forças populistas e nacionalistas que hoje já estão presentes ou condicionam de forma decisiva os governos de, pelo menos, oito países da União Europeia.
No passado domingo, os partidos das franjas do sistema conheceram sortes distintas. O CDS subiu, embora menos do que lhe auguravam as sondagens, fruto decerto, na recta final, da pressão do "voto útil" no PSD. No pólo oposto, o Bloco conheceu uma severa derrota, vendo-se reduzido em votos e em deputados para metade da representação que detinha na anterior legislatura. O PCP, por seu turno, regista de novo o comportamento do metrónomo, com oscilações mínimas dentro de uma faixa que o tornam o mais representativo de todos os partidos comunistas europeus.
A alternância deu-se reiterando uma tendência longa do nosso sistema democrático: o reforço destacado do partido vencedor, expressão clara da vontade do eleitorado em manifestar uma preferência pela estabilidade governativa. Embora desta feita o partido vencedor tenha ficado, tal como em 2009, distante da maioria absoluta dos mandatos.
A exigência do Presidente da República de se formar um governo com apoio maioritário foi assim ouvida pelos eleitores. Menos ouvido terá sido, contudo, o apelo ao voto, já que se registou um novo aumento da taxa de abstenção. De facto, mesmo descontando eventuais erros que ainda subsistam nos cadernos eleitorais, os quais, contudo, não serão nunca na ordem de grandeza que alguns comentadores assinalaram, e os novos eleitores, a verdade é que a trajectória da abstenção continua a ser um factor preocupante.
E se é verdade que a resposta ao aumento da abstenção não depende apenas do sistema eleitoral, cabe perguntar se estamos à espera que atinja os 50% para discutir seriamente a sua reforma de que se fala há tanto tempo e que não tem conhecido nenhum impulso sério nos últimos anos?
Com estas eleições inicia-se um novo ciclo político em que, depois de mais de 30 anos, se materializa o projecto de Sá Carneiro, a direita passando a dispor de um governo, uma maioria e um presidente. Estão assim reunidas todas as condições institucionais para a aplicação do seu programa político. O paradoxo é que o projecto de Sá Carneiro acaba por ver a luz do dia no momento em que o PSD foi sufragado na base do programa mais claramente de inspiração liberal que jamais foi apresentado pelo partido que fundou.[sublinhado é nosso]
Por seu turno, à esquerda, a pesada derrota do PS permite avaliar melhor os limites do "voto útil" ou da clássica "disciplina republicana" num quadro político substancialmente diferente do último quartel do século passado.
O mesmo é dizer que o PS tem pela frente um problema sério que decorre da assimetria no funcionamento bipolarizado do sistema partidário, onde o valor da estabilidade governativa favorece mais a convergência à direita do que os entendimentos à esquerda.
Alguns poderão ser tentados a procurar uma resposta "à francesa": quando se passa à oposição, os partidos socialistas esquerdizam-se. Tal seria um grave erro e não apenas pela difícil situação económica e social que vive o nosso país. A resposta à questão central com que os socialistas estão confrontados prende-se mais com o facto de em toda a Europa os partidos de direita terem resistido melhor (e até beneficiado) da crise económica mais aguda do capitalismo, fruto dos excessos desreguladores dos teóricos neoliberais. Ora, a resposta terá de ser encontrada numa nova proposta que doseie a globalização com a preservação da coesão social.
PS: Doseie a globalização "predatória" com a coesão social, com predomínio desta.

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