quarta-feira

Omertà à portuguesa

Trata-se, na prática, dum consenso para não colaborar com as autoridades: tribunais, polícia, fisco, etc. Mas este voto de silêncio tem na sua base um pressuposto que é, por vezes, razoável e consiste na crença de que todas aquelas autoridades enquadradas pelo Estado, o grande Leviatão (como diria Hobbes), que guarda a espada numa das mãos e a religião na outra, se estão a marimbar para os interesses e expectativas dos povos que dirigem e cujos recursos administram (ou esbulham), mediante os impostos que cobram.
É óbvio que a quebra daquela regra de solidariedade mafiosa culmina na morte do seu violador, é assim que as organizações mafiosas se estruturaram e organizaram para impor o segredo aos seus agentes resguardando-se perante o Estado com quem jamais quererão
colaborar, pois consideram-no um esbulhador-mor organizado, ainda por cima legitimado pela lei.
Assim, quando o cidadão comum não observa a legalidade o fisco persegue-o e sobre-taxa-o, se cometer crimes de sangue vai parar à cadeia, se a justiça funcionar. Se for mafioso e cometer uma violação da regra da Omertà que jurou observar desde que entrou no "club" - a morte do prevaricador é imediatamente encomendada a um seu colega que se encarregará dessa execução com o maior prazer e zelo. O executor até sobe na hierarquia da organização pela bravura e coragem demonstradas por tanto sangue frio. É assim que coisas funcionam no Estado (com a cobragem do imposto) e nas organizações mafiosas (com a eliminação física dos que bufam).
E quanto mais para Sul se caminhar, maior é o grau de violência praticada no seio dessas organizações, por isso não é de estranhar que no Parlamento italiano algumas discussões se resolvam à estalada, ao soco ou mesmo à bomba, ou sob ameaça dela.
Mas entre estes dois modelos de organização social, há um tertium genius que não segue os caprichos daqueles modelos, e em Portugal sabe-se que nem toda a gente que foge aos impostos, comete graves crimes fiscais e lava dinheiro na lavandaria das off-shores é punida. Recordo aqui que Oliveira e Costa foi o 1º e único banqueiro a ser preso em Portugal, deixando de fora os seus cúmplices, que directa ou indirectamente, geriam todo aquele colosso financeiro de índole criminosa e com ramificações a outros países.
Portanto, em Portugal o crime ainda vai compensando, pois são raros aqueles que vão dentro por crimes de colarinho branco, e o resultado dos proventos que administradores financeiros auferiram ao longo duma década compensa bem as chatices que pontualmente tiveram com a justiça ou com os media, num ou noutro artigo mais incisivo. Ter iates em Vilamoura é a tradução prática desse triunfo da ilegalidade sobre a legalidade, e não é com os 800 ou 900 cts de ministro por mês (perdão, ex-ministro) que se consegue adquirir e manter tais caprichos nauticos.
Por outro lado, se, por exemplo, a Cosa Nostra tem como guia de comportamento facultar dinheiro, medicamentos, alimentos a pessoas em dificuldades, o Estado em Portugal parece agir ao inverso, sob o pretexto das grandes dificuldades financeiras, mas isto também revela a ironia do destino quando avaliamos as regras, os métodos e o funcionamento desses dois tipos de organizações: o Estado e as organizações mafiosas.
Para com o Estado é impossível haver gratidão, que nos esbulha o imposto, mas para as várias Cosas Nostras que há disseminadas pelo mundo, há uma imensa gratidão específica que é, obviamente, cobrada no futuro. E com juros.
De modo que o sentimento geral, especialmente no Sul de Itália, na América do Sul, na Ásia e noutros pontos deste nosso querido mundo, é que se o Estado não está disposto, não pode ou não quer ir mais além na ajuda social às respectivas populações, porque razão estas acham que o Estado irá ser capaz de resolver os grandes problemas dessas pessoas?! É aqui que se opera o ponto de viragem, e muitas dessas pessoas decidem reajustar as suas baterias e mudar de vida, sendo que muitas delas nunca são apanhadas pela justiça.
É nesse caldo cultura que muito boa gente, que se vê aflita diante as dificuldades, resolve fazer o juramento e subscrever a Omertà, e alguns depois até se tornam banqueiros, fazem-se ministros, tornam-se empresários de empresas fantasma, etc.
Quando nos assassinam a família nem sempre vamos à polícia, porque temos a convicção profunda de que jamais se fará justiça seguindo esse recurso oficial. Quando nos penalisam nas nossas relações privadas sabemos que teremos de pagar na mesma moeda numa próxima oportunidade. É este o mundo que criámos: cruel, estúpido, irracional, absurdo e violento. Aqui dificilmente a lei penetra ou regula o que quer que seja.
Razão por que me surpreendo profundamente em ser apenas Oliveira e Costa o único detido neste mega processo, mega-fraude do BPN em Portugal e além-fronteiras. E é aqui que se coloca a questão dos amigos, dos aliados, ambos necessários para racionalizar o sistema de protecções e partilha de riqueza resultante do esbulho realizado ao longo duma década por alguns administradores do BPN aos seus clientes, ao Estado e aos portugueses em geral.
Em Portugal tudo isto é ainda caldeado por um sistema de relações e de fidelidades mansas que fazem dos mafiosos portugueses verdadeiros filantropos da sociedade. Mas também com a justiça miserável que temos, extensiva a quase todos os níveis da sociedade, os resultados só poderiam ser aqueles que conhecemos: laxismo, paralisia.
E, não raro, até parece que a lei sociológica da Omertà funciona mais e melhor entre essa neocorporação de juízes medievais que temos, do que propriamente entre os nossos mui rudimentares gangsteres lusitanos.
Aqui a regra é: mantem-te forte, importante e, se possível, vivo.
ARTE DA BOA...
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por DN,CARLOS RODRIGUES LIMA,28 Novembro 2010
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