sábado

Futuro além da crise - por António Vitorino -

Escrevo antes de serem conhecidas as conclusões do Conselho Europeu deste final de semana. Mas não custa antecipar que elas serão... o que a Alemanha quiser! Melhor dito: não serão exactamente tudo o que a Alemanha quiser, mas decerto estarão em linha com o que tem sido a conduta da principal economia europeia durante a crise da Zona Euro.dn
Logo, medir a diferença entre aquilo que têm sido as declarações públicas dos responsáveis alemães, de pronto seguidas pelos franceses, e o texto das Conclusões do Conselho será o melhor indicador do ponto em que estamos e do que nos espera no futuro próximo!
Para quem está habituado a descodificar as pequenas palavras ou as entrelinhas, o exercício até poderá não ser difícil. Mas o sentido global do que se disser tem de ser perceptível para o conjunto dos cidadãos, dos agentes económicos e... convém não esquecer, dos famigerados mercados!
Sabe-se que será adoptada uma revisão cirúrgica e minimalista dos Tratados, visando criar um Fundo de Estabilização Financeira com carácter permanente na Zona Euro para acorrer no futuro a situações (como a actual) de pressão sobre a moeda única europeia. Os esclarecimentos quanto ao fundamento desta proposta serão cruciais, designadamente no que toca ao significado do envolvimento dos interesses privados detentores de dívida soberana na sua operação futura. Qualquer ambiguidade nesta matéria será fatal para os países que se encontram neste momento mais expostos às pressões dos mercados financeiros internacionais.
Já se sabe que os Tratados obrigarão a uma "estrita condicionalidade" o acesso futuro a esse Fundo, o que, aliás, é o que já sucede hoje com o seu antecessor, como bem o sabem os gregos e os irlandeses. Questão relevante a ver com atenção é a de saber se a base legal assim criada caracteriza o Fundo como "mecanismo de último recurso" como pretende a chanceler Merkel. Este aparente inocente inciso dirá muito não apenas sobre a natureza do Fundo no quadro da governança económica da Zona Euro mas também sobre o grau de solidariedade que dele se possa esperar no futuro...
A leitura dos detalhes, que decerto será esquadrinhada pelos especialistas, permitirá, contudo, tirar uma conclusão mais relevante e de interesse mais geral: a de saber se este Conselho foi o último de uma sequência condicionada por uma certa estratégia de resposta à crise financeira global ou se foi também já o primeiro de um novo ciclo de posicionamento da União Europeia no quadro económico global.
Com efeito, até ao momento, a resposta europeia à crise tem-se caracterizado por uma lógica ternária. Primeiro os dirigentes europeus manifestam preocupação, depois os dirigentes nacionais dos países sob pressão adoptam medidas de austeridade, finalmente abre-se o acesso ao Fundo actual (vigente até 2013) sujeito a novas regras de condicionalidade negociadas com a Comissão e o FMI. A esta valsa a três tempos os mercados têm respondido em cada um dos seus três momentos com ligeiros alívios da pressão, logo retomando a espiral de desconfiança e assim determinando o aumento dos juros cobrados aos países que têm absoluta necessidade de refinanciar a sua dívida. Neste "jogo de gato e de rato" os principais responsáveis europeus criticam severamente os especuladores, mas normalmente guardam silêncio sobre o efeito perverso da venda de dívida soberana dos países sob pressão por parte dos bancos dos principais países europeus (alemães à cabeça, logo seguidos dos britânicos e dos franceses...).
A doutrina dominante até ao momento parece, pois, pretender persistir nesta lógica que vai sacrificando paulatinamente os elos fracos da cadeia minando a prazo a credibilidade da moeda única europeia.
Ora, este Conselho Europeu, ao estabelecer um mecanismo sustentado de resolução deste tipo de crises financeiras, incluindo a previsão da eventual reestruturação da dívida dos países em risco de incumprimento, pode ser a primeira ocasião para clarificar os objectivos da intervenção europeia na coordenação das políticas económicas dos Estados membros, tarefa de que foi incumbida uma task force liderada pelo presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy. O que disserem os parágrafos dedicados a este tema serão determinantes para o nosso futuro para além de crise. Nosso aqui significa claro o futuro português, mas também o do projecto europeu no seu conjunto!
Obs: Uma reflexão eficiente de AV ao detectar as dinâmicas europeias numa Europa com uma "lógica ternária", só é pena que a dita Europa esteja sendo gerida pelo velho duopólio franco-alemão - com as demais médias e pequenas potências a sujeitarem-se às regras da alta finança desses dois potentados. Maldito directório...