quarta-feira

Cavaco Silva: E tudo o BPN levará?

Nota prévia: Não vi o dito debate, razão por que recorro aqui a esta cábula que me parece representativa.
in Expresso
O debate de ontem entre Cavaco Silva e Francisco Lopes surpreendeu-nos pela positiva. Porquê? Porque foi o primeiro debate em que houve efectivamente confronto, não suscitando de imediato uma vontade louca de adormecer ou mudar de canal.
Na forma, Francisco Lopes esteve muito bem. Aproveitou cada minuto para expor as fragilidades do primeiro mandato de Cavaco, sobretudo aquelas que são música celestial para os ouvidos do seu eleitorado. O candidato comunista adotou um tom curto, incisivo, sem rodeios e agressivo sem ser desagradável. Note-se a subtileza: até quando atacou Cavaco pelo escândalo BPN fê-lo de forma subtil - não envolveu Cavaco (como Alegre deu a entender que o fará) no caso, mas associou-o pela promulgação da lei da nacionalização ao negócio desastroso feito para encobrir Oliveira e Costa, seu colaborador e financiador da campanha de há cinco anos. Reparem só na subtileza! Além disso, reconheço que, para um comunista que decorou acriticamente a cartilha do partido, Francisco tem uma boa presença televisiva. Cavaco Silva, por seu turno, esteve muito analítico, aqui e ali muito nervoso, evidenciando que não estava preparado para abordar determinados assuntos com Francisco Lopes, nomeadamente a questão do BPN. Nunca tínhamos visto (nem nesta campanha, nem na campanha de 2005) um Cavaco tão crispado - o que poderá indiciar um excesso de confiança que, na minha perspetiva, é de evitar.
E quanto ao conteúdo? Ora, aí Francisco Lopes debitou a cassete comunista da década de 80 do século passado e Cavaco puxou pelos seus méritos enquanto governante. Primeira questão: o caso BPN deveria ter sido chamado à baila? Bom, na política portuguesa tem vingado o princípio do politicamente correto, traduzido na frase: à justiça o que é da justiça, à política o que é da política. Pois bem, lembra-se certamente que nas últimas legislativas, o PSD não utilizou o Freeport contra Sócrates, sendo que neste caso se tratava de um potencial crime cometido no exercício de funções governamentais. É curioso verificar que os mesmos colunistas que defenderam que seria um golpe baixo invocar o Freeport contra Sócrates, aplaudem efusivamente a utilização do BPN contra Cavaco. Entendamo-nos: o BPN é um processo que corre nos tribunais para apurar a eventual responsabilidade criminal dos acusados. Creio que é mau tom discutir numa eleição presidencial um processo judicial. Dir-me-ão: sim, mas o que queremos é apurar a responsabilidade política. Muito bem: então, a pergunta deve ser por que razão Cavaco aguentou Dias Loureiro como conselheiro de Estado após rebentar o caso BPN - e não qual a sua responsabilidade no caso. Porque se a formulação for esta última, implicitamente estamos a acusar Cavaco de participação num crime em que nem sequer foi constituído arguido! Meu conselho: Cavaco não se deve esconder - deve, pelo contrário, esclarecer de uma vez por todas o assunto, nem que seja de passagem. Quando? Antes de dia 29 - ou seja, antes do debate com Alegre. Sei que Alegre está tentadíssimo para queimar Cavaco com o assunto e Cavaco não reage bem, como ficou provado ontem. Que diabo: aproveite-se um comício qualquer, um discurso para puxar o tapete a Alegre!
[...]
Obs: Sugira-se a Cavaco que esclareça a sua participação (e a de seus familiares) na aquisição e venda de acções da SLN e do BPN, pois a sua opacidade é nociva para a democracia, sugere que encobre seus antigos colaboradores e deixa um lastro de falta de transparência na relação da esfera política com a da economia. Com a agravante de que o país conhece a origem histórica do dito banco e das suas profundas relações ao "cavaquismo". O esclarecimento da componente política nesta mega-empresa (que há muito se tornou num caso de polícia) será o melhor. Não o fazer é dar lume a um palheiro cheio de palha seca no seu interior. Com o absurdo de ser o seu presidente, Oliveira e Costa, a ser detido no processo, como se não houvesse cúmplices e testas de ferro em centenas de operações que desfalcaram a tesouraria do banco, o qual teve de ser intervencionado para "segurar" os depósitos dos credores legítimos e, ao mesmo tempo, manter e funcionamento cerca de 1800 funcionários que, coitados, têm de dar a cara diáriamente pela maior fraude financeira em Portugal. O que também é revelador do estado comatoso em que se encontra a nossa miserável Justiça.

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