sexta-feira

Terra queimada - por António Vitorino -

Ficaremos hoje a conhecer a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2011. A qual, muito provavelmente, não conterá grandes novidades em relação ao que tem sido divulgado nas últimas semanas.dn
No caso dos países que se encontram debaixo de uma vigilância especial por parte dos mercados financeiros e das organizações internacionais, em regra, as consequências das políticas públicas são incorporadas por antecipação. Ora, as medidas que têm vindo a ser anunciadas tiveram apenas um ligeiro impacto positivo nos juros da nossa dívida pública externa. Esse impacto limitado não fica tanto a dever-se a que as medidas sejam consideradas insuficientes mas, muito mais, à incerteza que rodeia a sua aprovação pelo Parlamento.
Assim sendo, quanto mais tempo durar essa incerteza, menores serão os benefícios que tais medidas (ou, pelo menos, a sua adopção na lei do Orçamento) terão na melhoria da difícil situação financeira em que se encontra o nosso país.
Sucedem-se os apelos para que se encontre uma solução que viabilize o Orçamento do próximo ano, protagonizados pelo Presidente da República, agentes económicos, inúmeros comentadores de inspiração muito diversa, e mesmo por organizações internacionais, com especial destaque para a União Europeia.
Em Maio, quando foi possível lograr esse acordo político sobre a primeira série de medidas de austeridade, os mercados e as organizações internacionais enalteceram o caso português, por contraponto à situação que se vivia então na Espanha. Agora, em Outubro, os nossos vizinhos já lograram um acordo que garante a aprovação do seu Orçamento do Estado para o ano que vem, enquanto subsiste a incerteza sobre o desfecho no caso português. Mesmo na Irlanda, o outro país da Zona Euro especialmente visado pelo escrutínio internacional, o acordo político indispensável parece já ter sido também alcançado.
Esta envolvente externa sublinha o nosso isolamento neste momento. Claro que ninguém pode antecipar o que se passaria connosco se o Orçamento viesse a ser rejeitado e se, como tudo leva a crer, tal degenerasse numa crise política prolongada, que decerto se arrastaria por mais de seis meses. Mas uma coisa me parece certa: a moderada benevolência com que os mercados reagiram ao anúncio das grandes linhas da política de austeridade cessaria de imediato, e isso tornaria inelutável o recurso ao Fundo de Estabilização Financeira da União Europeia.
Mas mesmo esse acesso não estaria garantido em termos automáticos. Com efeito, a disponibilidade desse Fundo depende da adopção de políticas de austeridade que dificilmente poderiam ser assumidas por um Governo de gestão, numa conjuntura política em que só poderia ser devolvida a palavra ao povo para se pronunciar em meados do ano que vem. Neste ponto, até da Grécia estaríamos isolados, que sempre garantiu a viabilidade política interna das condições decorrentes do acesso aos auxílios financeiros europeus...
Se já hoje a envolvente externa limita substancialmente o perímetro da nossa margem de liberdade de decisão interna, um tal cenário reduziria praticamente a nossa capacidade de escolha autónoma e acabaria por tornar penosa senão irrelevante a próprio decisão eleitoral.
Claro que há quem tente minimizar este factor optando por preconizar um cenário de "choque e horror" como o único que permitiria adoptar as roturas necessárias para recolocar o nosso país na senda do equilíbrio das contas públicas. Essa deriva catastrofista parte do princípio de que só por imposição externa se pode inverter o curso dos acontecimentos, não existindo internamente nem a vontade nem a força política necessárias para introduzir as difíceis e dolorosas reformas que se tornam inadiáveis.
Cabe aos responsáveis políticos criarem as condições para que evitemos uma tal deriva perigosa, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista social e mesmo da estabilidade da própria democracia.
Numa terra queimada são necessários muitos anos para que se possa voltar a semear. E muitos mais ainda para se começar a colher os frutos.
Obs: Tenho para mim que este OE para 2011 será aprovado, mas PPCoelho fará um discurso de Estado - fúnebre para o Orçamento, para o PM e Teixeira dos Santos - e de auto-elogio, de resiliência e de elevada responsabilidade por o ter viabilizado, com muitas referências a Francisco Sá Carneiro, naturalmente.
De resto, se o OE não passar, PPC arrisca-se a ganhar as eleições por uma tangente problemática que o obrigaria a governar um país na antecâmara da bancarrota. E isso também não será o desejo do PSD actualmente.
Talvez os partidos políticos devessem instituir um pacto social, político e económico em momentos de excepção, como este, em que se estabeleceria o seguinte: é urgente aprovar o OE, pois que se aprove! Mas como ele contém uma carga brutal de impostos resultante da necessidade de equilibrar as finanças públicas, logo que esses desvios estejam corrigidos e a rota do equilíbrio refeita, o Governo em funções, seja de direita seja de esquerda, comprometer-se-ia com os portugueses em baixar os ditos impostos de forma a compensar as populações que hoje pagam por uma crise de contas públicas para a qual não contribuíram directamente.
Este objectivo deveria ser quantificado, público e publicitado e, logo que possível, posto em prática na economia nacional, até para restaurar a confiança e a competitividade perdidas pelos agentes económicos que hoje pagam pelos factores de produção que consomem e pelos custo de contexto um custo acima do que é pago pelos nossos mais directos competidores na economia global.

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