Sócrates e Pedro Passos Coelho: duas legitimidades cruzadas em busca dum futuro
As autoridades democráticas são, num estado de direito, a acção reguladora que permite realizar os objectivos nacionais em cada conjuntura. Para isso, terá de contar com os instrumentos necessários à sua viabilização para atingir essa sustentabilidade económica, social e, especialmente, política, que é o que hoje falta ao nosso país.
Dentro deste colete-de-forças, Sócrates tem a legitimidade eleitoral, alcançada pelo voto popular nas últimas eleições legislativas, mas já não dispõe, manifestamente, da legitimidade funcional/exercício ligada aos resultados económicos que o quadro das suas promessas sistematizou no seu programa eleitoral e que, em tempo devido, comunicou à sociedade e foi com base nisso que também se fez eleger.
Donde resulta o seguinte: o actual PM tem a legitimidade eleitoral, mas já não dispõe da legitimidade dos resultados económicos (não atingidos, e agora agravados pelo aumento brutal dos impostos!!!), pelo que está ferido na sua capacidade de exercer o poder na sua máxima potência. Formalmente continua a ser o PM em funções, mas, na prática, no sentir do coração dos portugueses, no íntimo do seu pensar, já não o é. Sócrates sabe disso, e o povo português também.
A Sócrates falta, hoje, adesão à realidade, apoio popular para implementar as medidas reformuladas no meio do jogo e, em termos mais genéricos, a confiança geral dos portugueses (a verdadeira legitimidade!!) e, sobretudo, a confiança funcional por parte dos agentes económicos - domésticos e transnacionais - que hoje ditam as taxas de juro, especulam e controlam os nossos recursos e o acesso ao nosso - cade vez menor - crédito externo e definem o rating da república - que agora comemora o seu Centenário envergonhada. Além de que o BCE não é a Santa Casa da Misericórdia.
Do outro lado da barricada, encontramos Pedro Passos Coelho na posição inversa neste jogo cruzado das legitimidades, ou seja, não dispõe da legitimidade eleitoral, dado que nunca se submeteu a eleições, nem nunca dirigiu uma autarquia ou um ministério, mas dispõe, porque é contra os impostos pelo Governo, da tal legitimidade dos resultados económicos que fere Sócrates quase nas duas asas. Neste sentido, PPCoelho assume o lado simpático da gestão macro-económica e, automáticamente, granjeia a simpatia das populações que detestam - históricamente - duas coisas: impostos e a polícia.
Numa palavra: Sócrates tem a legitimidade eleitoral, mas está privado da legitimidade dos resultados económicos, que foi um falhanço da sua governação; PPCoelho, ao invés, não dispõe da legitimidade eleitoral, mas tem a legitimidade dos resultados económicos por ser contra a brutal carga fiscal condensada neste OE para 2011 - que já foi sancionado por Bruxelas e parece colher o agrément banco-burocrático dos 4 principais banqueiros da república. Sócrates deseja a legitimidade que PPCoelho vai tendo, e este, por seu turno, deseja a legitimidade eleitoral que Sócrates vai perdendo neste jogo cruzado das duas legitimidades em confronto. O ideal seria que ambas fossem complementares e não excludentes entre si, como ocorre. Pois nenhum Governo se aguenta no poder apenas com uma das legitimidades, que apenas perpetua a produção industrial das ilusões, do desemprego e da desmotivação colectiva agravada com o endividamente que empobrece ainda mais Portugal e os portugueses. O problema é que se amanhã o poder fosse entregue a Pedro Passos Coelho, (como em tempos Durão o entregou a Santana Lopes, nesse pecado original e obsecado que estava pelo cadeirão de Bruxelas!!) - este também não conseguiria sair facilmente da crise, porque estamos bloqueados, pois foi esse o destino a que nos conduziram os actores políticos das últimas décadas. E nesta conjuntura problemática, aquilo a que temos assistido, comparativamente aos nossos parceiros da União Europeia, é registar o nosso empobrecimento. Não o reconhecer, nesta austera, apagada e vil tristeza, como diria Luís Vaz, e recordado por um amigo intermitente, seria a forma mais patologia de denegação da verdade que hoje qualquer português medianamente inteligente se recusaria a fazer. Até por uma questão de higiéne e de saúde mental. S. Bento e os assessores (mais jornalistas do que académicos ou investigadores que têm, necessáriamente, uma versão demasiado parcial da coisa pública) deveriam meditar nisto para evitar replicar os mesmos erros num espaço de tempo muito curto.
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Ryuichi Sakamoto - Love and Hate (Live 1994)
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